"Não é fácil ser um Senna"
O piloto de F-1 diz que não pensa em ser herói e, ao contrário do que fazia seu tio Ayrton, cederia uma ultrapassagem para se manter no emprego
por Rodrigo Cardoso
Foi em 7 de novembro de 1993 que Ayrton Senna pontuou pela última vez na Fórmula 1. Marcou dez pontos ao cruzar em primeiro a linha de chegada no Grande Prêmio da Austrália. Meses depois, no ano seguinte, perdeu a vida numa curva do GP de Ímola, na Itália. Quis o destino que um circuito italiano, o de Monza, fosse palco da ressurreição da dinastia Senna.
Bruno, 27 anos, sobrinho do tricampeão Ayrton, fechou a corrida, no domingo 11, na nona colocação a bordo da Lotus Renault. Anotava, assim, os primeiros dois pontos de sua carreira e escrevia novamente, depois de quase 18 anos, o nome Senna na estatística do automobilismo mundial. Tratava-se da sua segunda corrida na F-1 neste ano, em substituição ao alemão Nick Heidfeld – um feito respeitável para um piloto que estreou em 2010, mas apenas passeou pelas pistas de tão fraca que era a Hispania, equipe que defendia naquela temporada. Morando sozinho no principado de Mônaco e recém-contratado pela Lotus até o final desta temporada, Bruno fala à ISTOÉ sobre o déficit que possui como piloto por ter sido proibido de correr após a morte do tio, o assédio feminino e os prós e contras do sobrenome que é sinônimo de vitória, superação e, agora, ressurreição.
Istoé - Qual a primeira coisa que pensou quando recebeu a bandeirada final, em Monza, e marcou seus primeiros dois pontos na F-1?
Bruno Senna - Que não queria que a corrida acabasse. Queria ter mais duas voltas para ir atrás do (piloto escocês) Paul di Resta (que terminou na frente do brasileiro). Tirei cinco segundos dele em três voltas e estava próximo de ultrapassá-lo. Eu estava me divertindo! Comemorei pelo telefone com a minha mãe e meus familiares.
Istoé - Está preparado para ser um herói nacional?
Bruno Senna - (risos) Ser esportista no Brasil não é fácil. A expectativa é muito alta. Aqui as pessoas torcem para quem ganha e não para quem está competindo. Eu corro porque gosto e não para ser herói, satisfazer as pessoas. É a minha paixão. Se meus resultados forem bons para eu ser admirado, vou ficar contente. Mas preciso focar no que estou fazendo dentro da pista e não no heroísmo da situação. Ainda não sei se estou preparado para viver o que meu tio viveu. É muita responsabilidade.
Istoé - Além do sobrenome, você tem traços físicos semelhantes aos de Ayrton. Já passou por situações pitorescas por conta disso?
Bruno Senna - Em 2005, fui guiar uma McLaren que havia sido do Ayrton. Quando cheguei no caminhão da equipe, um dos mecânicos da época dele me viu, se assustou e saiu correndo. Depois de um tempo, vieram me contar que ele achou que tinha visto uma assombração. Também percebo pessoas que ficam olhando para a minha cara, analisando quanto me pareço com ele. E muita gente já se emocionou só de apertar a minha mão. Mas a situação mais estranha foi com um jornalista. Ele teve a coragem de perguntar se o fato de eu me parecer fisicamente com o Ayrton era uma estratégia de marketing. Pô, não tem cabimento eu fazer plástica para lutar contra a minha genética!
Istoé - Como o fato de perder duas referências masculinas muito cedo (o pai e o tio) influenciou na sua trajetória?
Bruno Senna - A perda do Ayrton teve impacto mais direto na minha carreira, porque foi no ano em que eu iria começar a correr de kart profissionalmente. E a perda do meu pai teve influência na minha formação psicológica. Ele era extremamente organizado, inteligente, tinha um jeito metódico, sério. Honestamente, minha mãe e meus avós fizeram um ótimo trabalho de criar três crianças de pouca idade. É muito interessante (pausa) ver que as grandes dificuldades criam novas oportunidades.
Istoé - Recebe salário ou está pagando para correr na F-1?
Bruno Senna - Tenho salário do grupo Lotus, que faz os carros de rua, separado do da equipe. E recebo comissão sobre os patrocínios (Gillette, Embratel e OGX) que levo para a equipe. A negociação que fiz com a Lotus era para entrar na equipe e não ganhar dinheiro, que é secundário para mim neste momento. Cláusulas no contrato me impedem de falar de cifras – algumas delas, também, me impedem de praticar esporte de risco, como mountain bike e esqui na neve. Tenho uma vida confortável, a Lotus me deu um carro para andar em Mônaco e, no final do ano, já pensam em trocá-lo por um mais especial. Não preciso de grandes coisas (materiais) para estar tranquilo.
Istoé - Quais os prós e os contras de ser um Senna?
Bruno Senna - Consegui financiar a carreira com patrocinadores, fazer bons relacionamentos com pessoas por causa do Ayrton e do Instituto (Ayrton Senna). E teve a pressão, que me fez aprender mais. Mas o que pega no sobrenome é o seguinte: no automobilismo, eu tenho de provar muito mais do que os outros que têm histórico semelhante ao meu. Em quatro anos de corridas, eu fui capaz de ser vice-campeão na GP2, ter a chance de fazer um teste de F-1 (na extinta equipe Honda, em 2008), mas não foi suficiente. Tenho que provar duas vezes mais que os outros para me darem crédito. E isso é difícil. Tenho muito orgulho de ter esse sobrenome, mas não é fácil ser um Senna. Pensei em adotar o sobrenome do meu pai (Lalli), no começo da carreira, em 2004. Mas iria demorar cinco minutos para descobrirem e desisti.
Istoé - Depois da morte de Ayrton, você foi proibido de competir. Parou aos 10 anos de idade e só retornou oito anos depois. É uma desvantagem em relação aos seus adversários?
Bruno Senna - Sei que tenho essa desvantagem em relação aos outros pilotos. Mas, ao mesmo tempo, sempre aprendi muito rápido no automobilismo, porque não tinha outra chance. Para quem está pulando etapas como eu, estou bem competitivo. O que falta para mim é não ter ganho um campeonato, como uma GP2, uma Fórmula 3.
Istoé - Como reagiu à proibição da sua família de guiar carro de corrida?
Bruno Senna - Não deixei de gostar de corrida nem fiquei com medo (depois da morte do tio). Foi difícil ficar sem correr. Quanto mais o tempo passava e via a molecada correr eu ficava mais chateado. Fiquei quieto um tempão. Aos 18 anos, falei para a minha mãe que queria correr de kart – e ela achou que fosse diversão de moleque. Passei um ano e meio quebrando costelas e foi aí que ela descobriu que era sério. Meu avô (Milton, pai de Viviane e Ayrton) ficou chateado comigo. Imagina como deve ter sido duro para ele quando o Ayrton faleceu. Ele não queria arriscar tudo novamente, não queria que a história da família se repetisse. Foram necessários alguns anos para que ele amolecesse. No começo, minha família foi contra. Hoje, depois de um tempo não admitindo que estava gostando (de vê-lo correr), meu avô demonstra estar mais contente.
Istoé - Como soube da morte de Ayrton?
Bruno Senna - A gente estava em casa, quando aconteceu o acidente. Começou um bafafá porque ninguém sabia ao certo. Fui para a casa de um amigo. O plantão da Globo entrava no ar a todo momento e a música da vinheta não deixava ninguém feliz. Hoje, não sinto nenhuma falta dessa vinheta.
Istoé - O que achou do documentário sobre Ayrton, que está sendo cotado para concorrer ao Oscar?
Bruno Senna - É um grande tributo ao Ayrton. Conseguiu mostrá-lo como pessoa. Ninguém é perfeito. E não adianta endeusar o Ayrton. Ele fazia as coisas da maneira que ele acreditava. Às vezes, era muito agressivo.
Istoé - Qual a imperfeição de Ayrton?
Bruno Senna - (risos) Defeito do Ayrton? Acho que ele tinha tanta vontade de vencer que, às vezes, como muitos campeões, passava dos limites. Ele acreditava muito nas coisas e ficava muito afetado por aquilo que ele achava injusto.
Istoé - Enxerga características de Ayrton em algum piloto da atualidade?
Bruno Senna - Cada piloto é um pouquinho do Ayrton. O Lewis (Hamilton, inglês) tem o arrojo e a agressividade. O (alemão Sebastian) Vettel, a performance em treinos de classificação. Ter tudo dele já é mais complicado. Eu sou mais suave que o Ayrton (no estilo de tocar o carro).
Istoé - Ayrton não entregava posição para companheiro de equipe sob ordens do chefe, como assistimos a Rubens Barrichello e Felipe Massa fazer. Qual seria a sua conduta?
Bruno Senna - Depende. Se tiver de fazer isso para salvar a minha pele, o que vou fazer? Penso em nunca estar numa situação como essa. Mas não existe quem jogue fora a chance de ser piloto de F-1 por não ceder a uma ultrapassagem. Meu tio nunca precisou fazer isso porque sempre era o mais rápido.
Istoé - Qual o seu sentimento como torcedor ao ver um brasileiro entregar uma posição, como ocorreu com Rubinho?
Bruno Senna - De injustiça. Porque ele fez uma corrida boa (no GP da Áustria, em 2002) e a equipe o fez entregar para o (alemão Michael) Schumacher. Criou uma situação desconfortável. Mas ele teve de fazer isso porque a situação política dele na Ferrari era complicada. Rubinho não tinha chance. Muitos o crucificam, mas deveriam crucificar a equipe. Entendo o olhar do torcedor, mas o esporte não é só uma atividade de prazer para o esportista; é o trabalho dele. Em relação ao Massa ter passado pela mesma situação (no GP da Alemanha, em 2010), volto a dizer que quem toma a decisão é a equipe e não o piloto. Já o Nelsinho (Piquet) viveu um episódio absurdo (por ordem da equipe, jogou de propósito seu F-1 contra a mureta no GP de Cingapura, em 2008, para beneficiar o espanhol Fernando Alonso, seu companheiro de equipe na época). Colocou em risco a vida dele e a de outras pessoas. Nelsinho é um cara de talento, tinha grande chance de ser bem-sucedido na F-1, mas perdeu a chance dele porque tomou decisões erradas.
Istoé - Por que Rubens Barrichello não foi campeão do mundo?
Bruno Senna - Simples: porque teve o piloto mais bem-sucedido na história da F-1 como companheiro na Ferrari (Michael Schumacher) e esse cara estava na posição de número 1 da equipe.
Istoé - Aos 27 anos, como se diverte fora do cockpit, morando em Mônaco?
Bruno Senna - Gosto de pedalar bastante. Tenho amigos com quem saio para jantar e beber. No começo do ano, ainda como terceiro piloto e sem correr, saía muito mais. Minha bebida preferida é uísque puro, porque não dá ressaca no dia seguinte. Agora, com oportunidade de voltar a correr na F-1, esqueci completamente de sair, beber e dormir tarde.
Istoé - Você namora a atriz húngara Kiss Ramóna?
Bruno Senna - Terminei com a Gaelle Grosjean (irmã do piloto francês Romain Grosjean) em novembro do ano passado. Conheci a húngara em um Grande Prêmio e a gente se deu bem, mas não estou namorando. Não tem como namorar alguém que mora tão longe.
Istoé - Recebe cantadas pitorescas?
Bruno Senna - Não dou muita abertura para isso. Às vezes, pedem para autografar na região do peito. Mas é fato que na F-1 as coisas são mais fáceis, tem aquelas mulheres mais atiradas. Como tive uma criação pautada por mulheres, já que perdi meu pai e meu tio cedo, aprendi a respeitar mais a mulherada do que os homens em geral. Mas, ó, eu gosto de uma loira.