* Por Lívio Oricchio
As 19 temporadas de Fórmula 1, de 1993 a 2011, e a de Fórmula Indy, encerrada sábado, em Fontana, Califórnia, não arrefecem o interesse de Rubens Barrichello, aos 40 anos, pelo automobilismo. Depois de terminar o campeonato de estreia na Indy em 12.º lugar, pela equipe KV, com 289 pontos diante de 468 do campeão, Ryan Hunter-Reay, da Andretti, Rubinho já planeja 2013.
E apesar de evitar o assunto, a antiga relação com a Honda, para quem competiu na Fórmula 1 de 2006 a 2008, associada ao potencial demonstrado este ano, levou os japoneses a convidá-lo para ser seu piloto oficial também na Indy. Em entrevista ao Estadão, ontem, afirmou: “Prefiro esperar para me pronunciar. Há muita coisa acontecendo”.
A Honda forneceu motores este ano para alguns dos principais times da competição, como Chip Ganassi, do terceiro colocado Scott Dixon, e a Schimidt/Hamilton, do quinto na classificação, Simon Pagenaud. Confirmada a associação de Rubinho com os japoneses, como parece provável, deverá correr em 2013 por uma das escuderias fornecidas pela Honda, o que deve facilitar bastante sua vida para se manter na Indy, projeto inicial. “Tenho convite para competir em outras categorias também.” Este ano a equipe de Rubinho utilizou motor Chevrolet, o mesmo de Hunter-Reay.
“É bem diferente do que imaginava”, comentou sobre a troca da Fórmula 1 pela Indy. “Não pensava que a adaptação se estendesse tanto tempo. As pessoas falam do meu primeiro teste, em Sebring, quando fui muito rápido. Mas eu treinei lá cinco dias. Tive de reaprender a pilotar este ano, por ser distinto de tudo o que fiz até hoje.” A pista onde conseguiu seu melhor resultado, Sonoma, 13.ª do calendário, quarto colocado, foi onde também teve a oportunidade de treinar antes, lembra o piloto.
Dá mais detalhes do aprendizado: “Até a metade do campeonato eu ainda não conseguia tirar tudo do carro. É 200 quilos mais pesado de um Fórmula 1 e não tem o volante hidráulico. Não é possível conduzi-lo como fiz durante 19 anos, bem suavemente, até para também economizar os pneus. Na Indy você tem de ser mais rude com o volante, andamos mais de lado, o que não é possível na Fórmula 1. O desafio maior na Indy é saber administrar o consumo de combustível (etanol), não dos pneus”.
Algo que exigiu tempo para aprender foi explorar melhor os pneus: “Usamos os duros nos treinos e só vamos conhecer como o carro se comporta com os moles direto na classificação”, explica. “E a categoria é supercompetitiva. Alguns décimos de segundo te jogam lá para trás no grid e aí tudo fica mais complicado. O nível dos pilotos é muito bom.” Rubinho acredita que a sua segunda temporada tende a ser menos difícil.
“Você tem de terminar o treino entre os seis primeiros para depois ir para a final na classificação. E em várias ocasiões por ficar a apenas alguns décimos do sexto não avancei. O Tony (Kanaan, companheiro na KV), pela experiência, entende melhor como fazer essa transição do pneu duro para o mole sem ter treinado.”
Outro desafio foi correr nos circuitos ovais, novidade absoluta para o piloto: “Tive a primeira experiência em Indianápolis. Nos primeiros dias, sozinho, consegui atingir já um bom nível. Estava me acostumando com os 400 km/h e o muro do lado o tempo todo”, conta. “Mas aí tive de aprender a pilotar com outros carros na pista e muda tudo… me senti um menino no meio daquele pessoal. O mais complexo é saber usar o vácuo.”
Mais: “Não dá para seguir o carro à frente. Tem de usar outra linha. E é muito importante saber com quem você está duelando. Se o carro cruzar a sua frente você sabe que perderá o controle e acabará no muro. Os pilotos que lutam pela vitória no oval não vão até a zebra, passam a cerca de um metro dela nas quatro curvas. Isso tem permite acompanhá-los e aproveitar o vácuo. E eles se tornam mais rápidos dos demais formando seu bloco, mesmo sendo adversários entre si. Só depois, lá na frente da corrida, vão começar a sua luta para ver quem vai ganhar a prova”.
Fato curioso descoberto nos ovais: “Enquanto nos circuitos mistos e de rua o volante é pesado e exige ser agressivo, nos ovais ele fica leve e é necessário conduzir com suavidade. Nesse sentido, as provas nos ovais vieram para o meu lado. Mas aí entra em cena todo aquele conhecimento de como usar o vácuo, como reagir à mudança na direção do vento, normal em três horas de corrida e tanta coisa que você descobre ali na hora.” Nas 500 Milhas de Indianápolis, estreia de Rubinho nos ovais, terminou em 11.º dentre os 33 que largaram.
Apesar dos resultados terem ficado um pouco abaixo do esperado, Rubinho diz ter se divertido muito. “Receberam-me muito bem na América. E correr ao lado do Tony (Kanaan), meu amigo, e com o ambiente alegre da KV foi sensacional. O Jimmy Vasser (ex-piloto e sócio) e meu engenheiro são muito legais. Foi um ano de prazer, divertimento, ensinamentos. Aos 40 anos me senti superinteressado em descobrir algo novo naquilo que sempre fiz, a pilotagem.”
O nível técnico do time, porém, comentou, nem sempre acompanhou o dos melhores. “Foi tudo montado de última hora, os mecânicos, o engenheiro, o estrategista e, claro, o piloto. Demorou um tempo até encontrarmos a sintonia necessária para o trabalho começar a fluir melhor.”
Disputar a Indy em São Paulo, dia 29 de abril, no circuito do Anhembi, lhe trouxe a maior das emoções da temporada. “Eu estava no carro por onde desfilam os pilotos e entramos no sambódromo. Lá há arquibancada nos dois lados da pista. E a torcida começou a gritar meu nome, repetidas vezes… Foi demais de gostoso, purificador diria. Senti como me dissessem que não estou na Fórmula 1 mas eles estavam lá. Fiquei com os olhos marejados e vi o Viso (Ernesto, piloto venezuelano, companheiro de Rubinho) emocionado, chorando.”
Isso o levou a reflexões mais profundas. “Tenho consciência de que 33% das pessoas gostam de você, 33% não gostam e 33% não se importam. O importante é que sou uma pessoa extremamente feliz e agradecido por ter renascido numa categoria diferente, depois de deixar a Fórmula 1, e pela forma como me receberam.”
Mas a Fórmula 1 ainda é uma paixão, confessa. “Você não namora alguém por 19 anos e a esquece no dia seguinte. Foi doído acordar meu filho Eduardo para assistir à corrida de Melbourne (abertura da temporada) pela TV.” E outro momento que certamente o sensibilizará será quando for a Interlagos nos dias do GP do Brasil, de 23 a 25 de novembro. “Tenho muitos amigos na Fórmula 1, vou visitá-los. Agora, não estar no grid será duro.”
Ao falar da sua ex-equipe, Williams, que até venceu o GP da Espanha, este ano, com Pastor Maldonado, Rubinho mede bem as palavras. “Como acompanhei todos os trabalhos deles até o último instante, sabia que cresceriam. E sem o escapamento aerodinâmico mais ainda, porque no nosso carro não fazia diferença, enquanto para os outros, muita.” O recurso foi proibido. Mas não hesita em afirmar: “Não tenho bola de cristal, mas o carro demonstra potencial para a Williams ter o dobro de pontos”.
Em seguida explica: “Não estou querendo dizer, por favor, que faria melhor do que os que estão lá. Apenas que com um bom carro é natural esperar de um piloto experiente chegar mais vezez aos pontos”. A Williams somou em 13 etapas 54 pontos e é a oitava entre os construtores. A Red Bull lidera com 272.
Rubinho não dá detalhes, mas confirma ter sido cogitado para disputar o GP da Itália, pela Lotus, no lugar de Romain Grosjean, suspenso. Ele venceu a prova três vezes, em 2002 e 2004, pela Ferrari, e 2009, Brawn GP. “No fim houve pressão para utilizarem o terceiro piloto (Jerome D’Ambrosio)”, diz.
“O campeão este ano? Penso que o Alonso. O Hamilton é o cara com mais velocidade natural na F-1, mas o Alonso o mais completo. Por isso é difícil para o Felipe (Massa), sempre o comparam com o mais forte.” Para Rubinho, Massa realiza, agora, um bom trabalho. “Esteve bem perto do Alonso nas últimas provas.” Mas diz desconhecer o seu futuro.
Em 2014 os motores turbo voltarão à Fórmula 1, onde estiveram de 1977 a 1988 da última vez. Serão unidades V-6 de 1,6 litro, capazes de desenvolver cerca de 740 cavalos de potência, a princípio. E Rubinho competiu na Indy este ano como motor turbo, V-6 de 2,4 litros, 600 cavalos de potência.
“Isso mexe diretamente com a dirigibilidade do carro. No turbo a potência não entra de cara, assim que você acelera, mas depois, e vem forte. Será extremamante importante para o carro como o motor vai disponibilizar a potência. Na Fórmula 1 ela é maior que na Indy.” Será, para Rubinho, um fator determinante no rendimento do carro, da equipe, a eficiência desse motor. “Sempre foi, na realidade, mas agora diante dessa característica mais ainda.”