segunda-feira, 31 de março de 2014

Insurreição*

* Por Luis Fernando Ramos


Em pé, segurando o gravador da assessora da imprensa da Williams, Felipe Massa falou com a imprensa brasileira com uma raiva que poucas vezes vi nele. Afirmou que era preciso respeito, que o resultado era o certo e que ele não se arrependia de nada. Era o fim da lua-de-mel entre as duas partes.

A harmonia acabou na 53ª volta do GP da Malásia. Faltavam três para o final da prova e ele perseguia de perto o inglês Jenson Button na luta pela sexta posição. Atrás dos dois estava o companheiro de Massa, o finlandês Valtteri Bottas, com pneus mais novos que os do brasileiro. O time ordenou duas vezes que este o deixasse passar, mas Massa ignorou. Na última volta, preocupados com a temperatura do motor nos carros, o time orientou então que não houvesse mais disputa entre os dois. Mas o estrago já estava feito.

A cena remeteu imediatamente ao GP da Alemanha de 2010. Até porque a maneira de dar a ordem foi idêntica. Nunca saberemos, mas talvez tenha sido o uso do “faster than you” que irritou tanto a Felipe Massa. Como se tivesse desencadeado em sua psique um processo de negação. “Chega”, como ele chegou a formular para nós. Nos últimos anos ele cumpriu o papel de carregador de piano na Ferrari, mas viu na maneira que a Williams o aproximou a possibilidade de viver uma relação diferente nesse ponto de sua carreira. Certamente, jamais esperaria ouvir logo na sua segunda corrida pelo time a odiosa frase que marcou sua relação com Fernando Alonso. Algo que ele ansiava em deixar para trás. “Chega!”

O engenheiro-chefe do time Rod Nelson deixou claro que Massa não cumpriu o que lhe determinaram. Mas buscou minimizar a polêmica e indicou que haveria até a possibilidade de Bottas devolver a Massa a posição depois. Afirmou que o time vai se sentar com os pilotos e discutir estes cenários. Cartesianos como em nenhuma outra equipe do grid, eles pensaram demais na possibilidade de Bottas atacar Button que deixaram o tato de lado na hora de abordar Massa. Não era uma punição ao brasileiro ou um favorecimento ao finlandês, mas apenas ação analítica do pensamento frio de um engenheiro. Se tivessem se comunicado de maneira diferente e mais claro, o resultado poderia ser outro.

Quando caiu a noite em Sepang, estava claro que Felipe Massa havia marcado claramente qual é a sua posição para o time. Resta ainda saber qual será a posição do time para ele. Claire Williams é o contrário do chefe de equipe durão que vai buscar enquadrar um piloto. A conversa vai ficar mesmo na mão dos engenheiros.  Não creio que haverá algo além de um puxão de orelhas e de uma troca de pontos-de-vista. E, ironia do destino, a partir de 1º de abril começa o contrato de Rob Smedley no time. Sua primeira tarefa vai ser administrar essa situação gerada pela insubordinação de seu ex-piloto na Ferrari.

Com o volume de voz baixo e a tranquilidade típica dos finlandeses, Valtteri Bottas se recusou a comentar sobre o episódio com a gente antes de se sentar com os engenheiros e com o próprio Massa para falar do ocorrido. Mas tinha o mesmo olhar de rancor com que deixou o carro no GP do Japão do ano passado após tomar um “chega-prá-lá” do companheiro Pastor Maldonado na última curva. A má notícia para Massa: daquele dia até o final do ano, o venezuelano quase não andou na frente do finlandês.

Massa garante que o que aconteceu “não tem nada ver com Bottas” e que a relação dos dois permanecerá a mesma. Me surpreenderei se isto acontecer mesmo. O clima era carregado dentro do hospitality da Williams hoje à noite. Ao marcar seu ponto de vista para os engenheiros, o brasileiro pode ter despertado um adversário dentro do time disposto a dar 110% de si para aniquilá-lo.

Assim, do nada, a Williams se tornou um dos times mais interessantes de se acompanhar neste início de temporada.

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