* Por Lívio Oricchio
Há uma relação íntima entre o futuro de Kimi Raikkonen na Fórmula 1 e o comportamento de Fernando Alonso daqui para a frente. O raciocínio é simples: se o espanhol voltar a ser o piloto casado com a Ferrari, como era até antes do GP da Hungria, dia 28 de julho, em que não criticava a equipe nem nos momentos mais difíceis, e demonstrar que voltou a ser o profissional que trabalha, vence e perde com o grupo, então o seu companheiro, em 2014, provavelmente não será Kimi Raikkonen, hoje na Lotus.
Mas se no GP da Itália, domingo, ou mesmo nas duas semanas até a etapa seguinte, dia 22 em Cingapura, a postura de Alonso for a de Budapeste, quando ridicularizou os engenheiros do time, impôs barreiras no seu relacionamento com todos e o seu empresário, Luis Garcia Abad, o ofereceu a Christian Horner, da Red Bull, então o presidente da Ferrari, Luca di Montezemolo, e seu diretor, Stefano Domenicali, vão esquecer o tratamento diferenciado garantido até hoje. E a provável consequência será a contratação de Raikkonen.
A imprensa italiana a cada dia parece acreditar mais que Montezemolo e Domenicali vão optar pela formação de um dream team, com os dois campeões do mundo juntos, em 2014, Alonso e Raikkonen. Na última edição da revista semanal Autosprint, por exemplo, tanto o editorial, redigido pelo diretor de redação, Alberto Sabbatini, quanto a reportagem sobre o mercado de pilotos, assinada por Alberto Antonini, falam em “provável ida do finlandês para Maranello”.
Nesse caso, Montezemolo e Domenicali sabem também que o dream team poderia não funcionar. Correm o risco de desestabilizar um piloto que representa uma garantia de resultados, como o espanhol, e a partir daí experimentarem o exercício diário de administrar desgastantes conflitos internos, com perigosos desdobramentos nos resultados.
Mas é bem verdade que poderia estimulá-lo ainda mais, pois Alonso não suporta ser vencido por outro piloto com o mesmo equipamento. E o mais importante: a contratação de Raikkonen poderia servir de freio para os seus ataques de vaidade, semelhantes aos de superstars do rock, acostumados a fazer todo tipo de exigências aos organizadores do espetáculo.
Não há pressa
Domenicali afirmou ao Estado, no circuito de Spa-Francorchamps, dia 24: “Não temos necessidade urgente de definir o companheiro de Alonso”. Esse espaço de tempo até as etapas finais servirá para compreender por qual lado o brilhante piloto vai enveredar. O do confronto com quem sempre lhe fez de tudo para se sentir confortável, ainda que em nem todas as ocasiões o carro tenha correspondido, ou da retomada da relação quase idílica que mantinham da chegada a Ferrari, em 2010, até a metade do atual campeonato.
Nesse sentido, as férias de agosto parecem ter já adiantado que Alonso compreendeu não ter alternativa. E na última prova, na Bélgica, mudou radicalmente o discurso. Elogiou a Ferrari e seus homens. Até da área técnica: “Confio no seu trabalho”, afirmou, para surpresa da imprensa. Foi o resultado, também, do xeque mate que Montezemolo lhe deu. Quem conhece o italiano é capaz de reproduzir suas palavras ao piloto: “Para permanecer na Ferrari tem de respeitá-la e defender, primeiro, os seus interesses, ao mesmo tempo em que deve sentir orgulho”.
O campeão do mundo de 2005 e 2006, pela Renault, viu que o rompimento do contrato com a Ferrari implicaria o pagamento de multa milionária, o que ninguém faria. Não acabou: não há espaço em outra equipe. Mercedes já acertou há tempos com Lewis Hamilton e Nico Rosberg. A McLaren não o quer, talvez nem de graça, enquanto Ron Dennis for sócio do grupo, e a Lotus não tem dinheiro.
Por fim, a Red Bull. Helmut Marko, homem que tem a palavra final na organização, jamais exporia seu tricampeão, Sebastian Vettel, a um confronto interno com outro piloto genial, Alonso. A escolha de Daniel Ricciardo para a vaga de Mark Webber, anunciada segunda-feira, bem demonstra a filosofia da Red Bull, responsável pela conquista dos três últimos títulos de pilotos e de construtores.
O que é certo é que a Ferrari não vai divulgar sua dupla em Monza, no fim de semana. Por uma razão: não a definiu, ainda. Montezemolo e Domenicali aguardam qual versão do Alonso vai se apresentar nos eventos. E como reagirá se o modelo F138 não acompanhar os concorrentes.
Mais: os dois dirigentes vão continuar avaliando, com muita atenção, as consequências de eventualmente levar Raikkonen para a sua escuderia. Se tornaria a Ferrari mais forte ou, por incrível que pareça, mais vulnerável, por poder gerar uma grave crise interna, como a que se estabeleceu na McLaren, em 2007, entre Alonso e Lewis Hamilton, cujo desfecho foi terrível para o time inglês: a perda do título para a própria Ferrari, por um ponto.
Lista pequena
Se Montezemolo e Domenicali compreenderem que Alonso voltou a falar a mesma língua amável de antes dos incidentes da Hungria e chegarem à conclusão de que Alonso e Raikkonen não funcionariam juntos, quem seria o companheiro do espanhol?
A lista de candidatos é curta e conhecida. Felipe Massa pode ganhar mais um ano de contrato, mas precisa fazer mais do que nas duas últimas etapas, oitavo na Hungria e sétimo na Bélgica. A imprensa italiana o critica bastante pela falta de resultados. Nico Hulkenberg, da Sauber, tem chances pelo respeito existente por ele pela direção da escuderia italiana. Claro, sempre há espaço para surpresas de última hora na Fórmula 1, mas parece difícil que o outro piloto da Ferrari não venha do trio Raikkonen, Massa e Hulkenberg.
De qualquer forma, antes da corrida da Índia, 16.ª do calendário, dia 27 de outubro, será surpreendente se a Ferrari anunciar o companheiro de Alonso. E até lá o tema vai continuar gerando especulações de toda natureza, das mais fundamentadas às mais fantasiosas.
Opinião
Apesar de a imprensa italiana demonstrar otimisto quanto a Raikkonen deixar a Lotus para correr pela Ferrari, penso que as chances maiores são de o excelente piloto finlandês permanecer onde está. A própria postura de Alonso, em Spa, elogiando “a melhor escuderia do mundo”, em completa oposição ao que fez na Hungria, denota ter compreendido o que Montezemolo lhe disse. “Se desejar continuar aqui terá de ser também como nós queremos.”
E é provável que na conversa entre ambos Alonso ouviu que Alain Prost, já três vezes campeão do mundo, em 1991, foi mandado embora antes da última etapa, na Austrália, por ter declarado que o carro da Ferrari era um “caminhão”. E que críticas vorazes como as de Alonso para a imprensa, em Budapeste, garantiam a Ferrari o direito de dispensá-lo sem pagar nada. O time italiano tem sempre essa cláusula nos seus contratos.
Nessa hipótese, se Alonso desejasse continuar correndo na Fórmula 1 teria de ser pela Lotus, pois a Ferrari assinaria no mesmo dia com Raikkonen. E na Lotus Alonso além de passar a receber no máximo um terço dos estimados 25 milhões de euros (R$ 75 milhões) atuais, não iria dispor da estrutura e dos recursos financeiros de uma equipe como a Ferrari, numa época em que, diante da mudança extrema do regulamento, sugere ser de grande importância.
Por tudo isso penso que Alonso deve ter compreendido, de uma vez, que se correr pela Ferrari hoje não é o ideal, por seus projetistas não poderem ser comparados aos da Red Bull, dentre as possibilidades que possui acaba sendo a melhor. Assim, Montezemolo pode continuar apostando quase todas as fichas da Ferrari no seu principal piloto. E nesse caso não precisaria de Raikkonen que, muito provavelmente, levaria Alonso a se perder emocionalmente, como ocorreu ao compartilhar a McLaren com Hamilton em 2007.
O quadro propõe que Massa e Hulkenberg são, hoje, os que têm as maiores chances de correr ao lado de Alonso. Do ponto de vista esportivo será uma pena se esse for mesmo o desfecho da história. Alonso e Raikkonen, juntos, definiriam uma atração à parte a cada GP.
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