segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A crise na Ferrari pode gerar mudanças importantes na equipe*

* Por Lívio Oricchio

Depois de quatro dias de testes em Barcelona, na pré-temporada, em fevereiro, Fernando Alonso, relaxado, comentou: “Vamos começar o campeonato com uma base muito melhor que a do ano passado”. Pilotar o modelo F138 o deixou confiante. “Se em 2012 iniciamos o ano com um carro que não conseguia chegar no Q3 (os dez primeiros na classificação para o grid) e no final disputamos o título, penso que desta vez nossas chances são ainda melhores de lutarmos pelo Mundial.”

O espanhol lançou sobre si responsabilidades ainda maiores das existentes para um piloto da Ferrari e tendo sido já duas vezes campeão do mundo, ainda que por outra equipe, a Renault, em 2005 e 2006. Mas após o GP da Espanha, quinto do calendário, realizado dia 12 de maio, os resultados comprovavam a projeção de Alonso.

Ele venceu a corrida no Circuito da Catalunha e passou a ocupar a terceira colocação do campeonato, com 72 pontos, diante de 89 de Sebastian Vettel, da Red Bull, o líder, e 85 de Kimi Raikkonen, Lotus, segundo. Apenas 17 pontos separavam Alonso do primeiro lugar do Mundial. E para ratificar a condição de postulante ao título da Ferrari, Felipe Massa, companheiro de Alonso, terminou o GP da Espanha na terceira colocação.

“Estamos na luta, mas será importante melhorarmos nosso carro nas sessões de definição do grid. Apenas dispor de um equipamento veloz, confiável e capaz de administrar bem o desgaste dos pneus pode não ser suficiente para chegarmos nas etapas finais na condição de podermos ser campeões”, afirmou Alonso.

A realidade da Ferrari hoje, contudo, depois de dez provas, é bem distinta da imaginada por Alonso e, curiosamente, pior que no ano passado, quando as ideias revolucionárias incorporadas no modelo F2012 exigiram seis, sete corridas para torná-lo minimamente competitivo.

Enquanto na mesma altura do campeonato do ano passado, depois do GP da Hungria, Alonso liderava com 164 pontos seguido por Mark Webber, Red Bull, 124, e Sebastian Vettel, parceiro de Webber, 122, agora o espanhol da Ferrari assiste a Vettel distanciar-se, em primeiro, a cada corrida.

O tricampeão do mundo lidera o Mundial com 172 pontos seguido por Kimi Raikkonen, da Lotus, 134, e só então aparece Alonso, com 133. A diferença para Vettel é de 32 pontos, superior ao distribuído por uma vitória, 25 pontos. Para lembrar, em 2012 Alonso tinha vantagem e não desvantagem para Vettel de impressionantes 42 pontos.

Esse números são conclusivos: o grupo de engenheiros coordenado pelo projetista Nikolas Tombazis foi muito mais capaz de desenvolver o modelo F2012 do ano passado que o F138 desta temporada. Alonso sabe bem disso. E saiu criticando os responsáveis pela área técnica da Ferrari. “Não sou eu que projeto as peças.”

Massa não ficou atrás. Em Silverstone, depois de tanto ele quanto Alonso apresentarem desempenho fraco (o espanhol ficou em terceiro e Massa em sexto), o brasileiro afirmou: “Se mudaram o túnel de vento e as novas peças continuam não melhorando o carro, então há outro fator aí para explicar as razões de não evoluírmos”.

A Ferrari vive uma crise. É inegável. Na última corrida, na Hungria, Alonso largou em quinto e recebeu a bandeirada em quinto, sem demonstrar velocidade para acompanhar Mercedes, Red Bull e Lotus. Massa saiu da oitava colocação no grid, teve problemas no aerofólio dianteiro depois de toque com Nico Rosberg, da Mercedes, e terminou em oitavo.

Na etapa anterior, Nurburgring, Alemanha, Alonso largou em oitavo e acabou em quarto. Massa, em sétimo e abandonou ao rodar. Alonso somou nos Gps da Alemanha e Hungria 22 pontos. Vettel, maior adversário na luta pelo título, 40.

Stefano Domenicali, diretor, sabe que há dois motivos principais para explicar a perda de competitividade da Ferrari: “Temos de voltar para o túnel de vento e estudar o que fazer para melhorarmos nossa aerodinâmica, a maior dificuldade”. E até o presidente da empresa, Luca di Montezemolo, expressou-se: “Não gostei da mudança dos pneus”.

Por razões de segurança a Pirelli precisou modificar os pneus que vinha fornecendo este ano. Eles foram concebidos a partir dos dados obtidos com o carro de testes da empresa, um modelo Lotus de 2010, cujas solicitações impostas aos pneus são bem menores que nos carros atuais, dentre outras restrições. Resultado: os pneus deste ano potencialmente poderiam apresentar problemas.

E foi o que aconteceu em Silverstone. Os técnicos das equipes não respeitaram as condições de uso dos pneus, o traçado é o mais exigente do calendário, com curvas rápidas e mudanças bruscas de direção, e cinco pilotos tiveram um pneu dechapado.

A FIA autorizou um teste para a Pirelli com os modelos deste ano, em Silverstone, bem como a mudança dos pneus. Essencialmente a Pirelli retornou aos distribuídos em 2012, embora com o composto de borracha da banda de rodagem deste ano. Ao menos na Hungria, Mercedes, Red Bull e Lotus demonstraram aceitar melhor esses pneus. Parte da perda de desempenho da Ferrari está sendo creditado pelo time de Maranello às características dos novos pneus.

Diante desse quadro, a Ferrari tem dois desafios até o próximo GP do calendário, na Bélgica, dia 25, nos dias em que seus integrantes puderem trabalhar, fora do período entre 3 e 17, férias obrigatórias: criar componentes que melhorem a resposta aerodinâmica do modelo F138 e redesenhar as suspensões a fim de fazer os novos pneus Pirelli garantirem ao carro o seu potencial de aderência, melhor explorado pelos concorrentes diretos, Red Bull, Lotus e agora a Mercedes.

É um desafio e tanto para os italianos. Mas em outras ocasiões, ainda mais desesperadoras, responderam com eficiência. Até a corrida de Monza, seguinte a da Bélgica, dia 8 de setembro, Alonso terá uma visão mais clara se poderá ser considerado, ainda, candidato ao título.

Nova decepção o atingirá ainda mais que a frustração de Budapeste e não será fácil conter suas críticas aos homens que trabalham no departamento técnico, aumentando a crise da Ferrari.

Sabe-se que a desconfiança maior, não só de Alonso como agora da direção da equipe, recai sobre dois profissionais em especial: o especialista em aerodinâmica, o francês Loic Bigois, e o desenhista-chefe do F138, o italiano Simone Resta.

Bigois trabalhou junto com outros profissionais no projeto do carro da Brawn GP, campeão em 2009. Mas antes e depois seu trabalho sempre foi muito contestado. Nunca fez nada que justificasse sua contratação pela Ferrari. Foi assim na Ligier, Prost, Williams, Honda e Mercedes. Sua fama no meio não é das melhores.

E Simone Resta da mesma forma não tem bagagem na Fórmula 1 para assumir tamanha responsabilidade, como a de ser um dos principais responsáveis pelo modelo atual da Ferrari.

Não foi por outra razão que Montezemolo e Domenicali decidiram negociar com a Lotus a liberação de James Allison para já e não apenas em março do ano que vem, como impuha seu contrato. Obviamente a Ferrari indenizou a Lotus.

Nesse contexto, o desfecho da história pode ser a substituição de profissionais do primeiro escalação, como Bigois, Resta e, dependendo de como a Ferrari se organizar, de Tombazis também. Há um problema nisso tudo: a mudança radical do regulamento em 2014.

O desafio de engenharia é tão grande que os projetos dos próximos modelos já estão avançados. Como instalar no carro a chamada unidade motriz, ou seja, o motor turbo e dois sistemas de recuperação de energia, um deles bastante complexo? Os três, motor e dois kers, são bastante exigentes quanto às necessidades de ar para refrigerá-los, além do peso total, cerca de 150 quilos, algo desproporcionalmente grandioso para a Fórmula 1.

Manter o grupo técnico responsável pelas distintas áreas do projeto unido e com forte sentido de integração será fundamental para o sucesso da equipe. Ter de rever quase tudo, agora, não deixará de ter consequências no andamento dos trabalhos e talvez nos resultados em 2014.

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