* Por Lívio Oricchio
Os homens com poder de decisão na Fórmula 1, seja nas equipes, FIA e FOM, por vezes nos surpreendem. O que está acontecendo agora, com relação à próxima temporada, é um dos melhores exemplos de comportamentos que se contrapõem a tudo que caracterizou o evento desde a sua origem, ainda em 1950. E o ajudou a ser grandioso.
A Fórmula 1 vai passar em 2014 por uma das maiores mudanças da sua história. A transformação é conceitual. Uma nova geração de motores turbo será introduzida. Não tem nada a ver com a que deixou a competição no fim de 1988. Desenho, metalurgia, eletrônica, eficiência em funções como resposta de potência, consumo de combustível e necessidades de lubrificação, por exemplo, atendem a outros parâmetros se comparados ao que existia há 26 anos. A evolução é exponencial.
Nessa linha filosófica de obter muito a partir de bem pouco, em compatibilidade com as carências do planeta, embora anacrônica diante da crise econômica mundial, a Fórmula 1 terá, ainda, dois sistemas de recuperação de energia. Um deles é o conhecido kers, já existente, enquanto o outro é novo e bem mais complexo: aproveita o calor proveniente dos gases do escapamento para gerar eletricidade que, por sua vez, será convertida em energia mecânica.
Hoje, o kers permite aos pilotos utilizar 80 cavalos de potência extra durante seis segundos por volta. Em 2014, os dois sistemas, juntos, vão permitir 160 cavalos durante 30 segundos por volta. Não será mais usado na Fórmula 1 o conceito de motor, mas de unidade motriz, pois a potência disponível será o resultado da unidade V-6 de 1,6 litro e dos dois sistemas de recuperação de energia.
Essa unidade motriz será bastante exigente quanto à necessidade de ar. Para refrigeração e melhorar a resposta de potência. O regulamento autoriza o chamado intercooler, um radiador que resfria o ar antes de entrar na câmara de combustão a fim de garantir mais cavalos. Mas os projetistas não podem conceber tomadas de ar de dimensões generosas para não comprometer a eficiência aerodinâmica do monoposto, também severamente atingida pelo novo regulamento.
Certamente os primeiros desenhos dos carros terão tomadas de ar reduzidas em relação às que provavelmente serão adotadas. O compromisso entre buscar eficiência aerodinâmica e corresponder à solicitação de ar da unidade motriz representa um exercício de engenharia com alto grau de dificuldade.
Há muito mais a ser abordado a respeito do conjunto de regras técnicas da Fórmula 1 em 2014.
Mas pelo exposto já foi possível compreender que o desafio em curso para os técnicos das equipes é enorme. Cada grupo vai responder com soluções originais ao que está sendo proposto. Essa disputa em si é, desde já, uma das maiores atrações do próximo campeonato.
Muito dinheiro
E haja recursos financeiros para bancar a concepção, os experimentos com cada um dos novos sistemas e, essencialmente, sua complexíssima integração. Este ano, Sauber, Lotus, Force India, Williams, Marussia e Caterham não escondem suas limitações financeiras para assumir duas frentes de trabalho: concluir as nove etapas que restam da temporada e investir alto no projeto de 2014.
Na teoria, escuderias com capacidade financeira para testar diferentes soluções para os problemas de engenharia de 2014, como Red Bull, Mercedes, Ferrari e McLaren, tendem a produzir modelos mais eficientes que as demais.
Com tanta coisa nova em jogo, com tanto a ser descoberto pelas equipes, com muito por modificar nos carros depois de descobrir, na pista, quais as reais exigências do regulamento, os homens que pensam a Fórmula 1 decidiram iniciar os testes da pré-temporada somente dia 27 de janeiro. Alegam não ter antes da data condições de colocar os carros na pista.
O que se questiona é que se houvesse já este ano a possibilidade de testes, a data original para iniciar a pré-temporada, 20 de janeiro, não seria um problema. Os projetos já teriam um pré desenvolvimento básico. Do jeito que está, da forma como os diretores dos times justificam sempre com a necessidade de conter custos a não existência dos testes, os 12 dias de treinos, antes do início do Mundial de 2014, representarão quase nada.
Certas medidas destinadas a evitar despesas têm mesmo de ser tomadas. A todo custo. Não há outra saída. Mas para o evento seguir seu curso minimamente normal é essencial a preservação de certas atividades, não discutíveis, como a imperiosa adoção de mais dias de ensaios práticos nos circuitos, em especial na condição em que a Fórmula 1 se encontra, com um imenso desafio técnico pela frente.
Apenas os programas de simulação, por mais avançados que estejam, não são suficientes para reproduzir o severo grau de solicitação dos novos componentes.
O resultado dessa política radical de não gastar, não levando em conta a consequência de não treinar, é um só: os fãs da Fórmula 1 vão assistir em 2014 a um festival de quebras. As corridas serão muito diferentes das dos últimos anos, onde o abandono de um concorrente por pane do equipamento quase não mais existe.
Será mais uma competição de resistência que de velocidade. Nas primeiras etapas, receber a bandeirada será já uma sobrevida. A disputa entre pilotos, razão maior do evento, vai ser secundária, em consequência de possíveis dificuldades com os carros. Todos os indícios sugerem que esportivamente, ao menos a primeira metade do próximo campeonato, será bem fraca. E haveria como ser evitado.
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