* Por Tony Dodgins, do AUTOSPORT.com
Depois da singular etapa de Albert Park e da corrida sob condições atípicas em Sepang, sabemos que McLaren e Red Bull são os times com ritmo para vencer corridas, a Mercedes ainda tem problemas de desgaste excessivo de pneus, Fernando Alonso lidera o campeonato com um cavalo rampante que mais parece um jumentinho e a Sauber já anotou 30 pontos na tabela. Mas ainda há mais alguém para aparecer?
Para mim, esse alguém é Kimi Raikkonen e a Lotus. Uma mescla de erros e má sorte ofuscaram o potencial de Kimi nas duas primeiras corridas, mas o potencial está lá.
Na Austrália, Raikkonen terminou em uma brava sétima posição, mas teve sua corrida comprometida após falhar na tentativa de fugir da degola do Q1.
Vale lembrar que tanto a classificação em Melbourne foi realizada sob o crepúsculo, com o sol baixo. O engenheiro de Raikkonen, Mark Slade, explica que o finlandês sofreu por usar uma viseira inadequada para a ocasião. "Com as mudanças das condições de luz, quisemos trocar seu capacete, mas infelizmente estávamos em um cronograma muito apertado e simplesmente não houve tempo de fazer isso".
"Pensamos que ele tinha tempo para mais duas voltas e a primeira parecia muito boa, até ele dar uma escapada na curva 12. Ele pensava que ainda tinha tempo para três voltas e eu não fui claro o suficiente ao dizer a ele que não, ele não tinha."
"Foi uma pena, porque ele iria estar no Q3 e quem sabe o que poderia ter acontecido. Mas eu estava fora de ação há seis meses e ele há dois anos, portanto talvez estivéssemos um pouco enferrujados."
Slade é figura carimbada no paddock. Começou em 1994 com Martin Brundle, na McLaren, depois foi engenheiro de Mark Blundell e de Mika Hakkinen, de 98 até 2001, quando o finlandês se aposentou. Então, passou a trabalhar com Raikkonen de 2002 até o piloto deixar a equipe, no fim de 2006.
"Eu ainda atuei com Fernando Alonso por um ano, algo que eu realmente apreciei, depois Heikki Kovalainen por dois anos e então Vitaly Petrov por uma temporada na Renault. Fui para a Mercedes com Michael [Schumacher], mas durou apenas dez corridas, porque questões políticas intereferiram um pouco. Mas devo dizer que isso nada a ver com Michael. Foi um prazer trabalhar com ele."
A partir de então, Slade seguiu em uma função dentro da fábrica da Mercedes até o GP da Hungria de 2011, que foi sua 300ª corrida na F1. Ele estava até se acostumando a ver sua família com maior frequência, quando recebeu uma ligação de Sir Jackie Stewart, novo consultor do grupo Genii, proprietário da Lotus. O telefonema era sobre Raikkonen.
Tendo trabalhado com tantos pilotos campeões, Slade sabia o quão motivador era o convite.
"Kimi é provavelmente o piloto com quem eu tive relação mais próxima, embora eu acredite que tenha me dado bem com todos. Com caras desse calibre, você sabe que o esforço depositado terá um retorno imediato, com todo o comprometimento deles. Isso é o que faz valer a pena."
"Eu realmente gostei de meu ano na Renault, porque eles são pessoas muito adoráveis para se trabalhar. Por isso, o prospecto de voltar a trabalhar com essa equipe, ainda mais com Kimi, era o melhor que poderia acontecer, de verdade."
"Acho que eles entraram em uma profunda reformulação no ano passado e as pessoas ficaram naturalmente preocupadas quanto ao futuro. Muitos funcionários têm filhos e cada um tem que pensar um pouco em si. O que é uma pena, porque estamos em uma ótima forma, creio eu. Ou pelo menos essa é a impressão."
O chefe da área técnica, James Allison, admitiu com tranquilidade que jamais teria apostado no escapamento frontal em 2011 se tivesse descoberto antes como funcionavam os pneus Pirelli. Por isso, a partir de uma falha, Allison separou todo o chassi do ano passado e, com uma impressionante capacidade de computação e simulação, descobriu que o potencial de evolução estava lá. E se a Lotus não conseguiria substituir Robert Kubica à altura, precisaria chegar o mais próximo possível.
"Acho que algumas pessoas não teriam certeza se Kimi voltaria, pelas razões certas. Mas eu tinha muita confiança de que ele me procuraria para perguntar se eu queria me envolver no projeto. Ele não iria me desapontar e estava muito seguro."
"Eu nunca me preocupei com isso e não acho que ele tenha mudado. Eu o vejo como o mesmo jovem garoto, que virou uma superestrela quando entrou em cena. Havia uma maturidade instantânea em sua pilotagem e uma forma de lidar com a parte de engenharia do carro que supera muito de seus contemporâneos."
Nos testes, a Lotus rapidamente se convenceu quanto ao talento do finlandês.
"Ele parece estar com a mesma forma de sempre e, pelo que eu posso ver até aqui, está absolutamente em seu melhor nível", opina Slade.
O experiente diretor de operações da Lotus, Alan Permane, que está há 23 anos no time, se disse muito impressionado com o fato de Raikkonen, que nunca havia competido sem reabastecimento na F1, ter se adaptado tão rapidamente a correr com um carro abastecido com mais de 150 quilos de combustível.
"Mudamos [o peso] de 30 a 160 quilos para mostrar a ele a diferença de comportamento com a qual ele deveria lidar, já que, da classificação para a corrida, a diferença é ainda maior. Calculamos a diferença que o nível de combustível deveria provocar nos tempos de volta e ele andou exatamente nessa margem desde sua primeira volta."
"Foi impressionante. Depois, ele fez outras 20 voltas com uma oscilação de apenas 0s1 por volta, provocada pelo desgaste dos pneus. Ele certamente me impressionou desde o primeiro dia."
Ao conversar com Permane sobre os problemas com relação à direção hidráulica acusados nos treinos livres em Albert Park, ele explicou que isso nada tem a ver com uma grande dificuldade, como a que Jarno Trulli aparentemente viveu na Caterham no ano passado. Raikkonen achou o sistema um pouco pesado para mudanças rápidas e correções bruscas que por ventura precisassem ser feitas.
"Essa corrida [na Malásia] foi uma onde ele realmente pareceu ter voltado àquilo que eu me lembrava dele", ressalta Slade. "Em Melbourne, ele ainda estava se readaptando um pouco e havia algumas coisas para trabalhar com relação ao acerto, já que eu pensei 'bem, embora você tenha a velocidade, você não quer as coisas apenas dessa forma, portanto vamos deixar isso um pouco de lado por enquanto'".
"Nesse último fim de semana, contudo, ele já começou a fazer comentários sobre como ele prefere as mudanças, conforme eu esperava. Isso significa que ele já está reintegrado apropriadamente."
Tanto na Benetton quanto na Ferrari, Michael Schumacher ficou conhecido por gostar que seu carro "apontasse" a frente para as curvas e por suas habilidades para lidar com sobreesterços. Quando Raikkonen chegou à Ferrari, a equipe ficou embasbacada ao descobrir que, nesse quesito, o finlandês era igual a Michael, só que com um estilo de pilotagem mais flexível.
É uma falácia, entretanto, ter a imagem de que o estilo de Kimi é interamente agressivo, fato talvez exagerado após sua passagem pelo rali e por suas voltas estranhamente conturbadas nas classificações, conforme vimos na Malásia.
"Ele é bem suave, na verdade", explica Slade. "Isso significa que ele pode lidar melhor com um carro arisco do que outros pilotos que são mais agressivos no manejo do volante. Acho que isso é um ponto forte dele".
E os outros pontos fortes?
"Ele não se deixa perturbar pelo que acontece ao seu redor e é muito bom em repassar informações sobre os pontos onde devemos evoluir o carro."
"Ele é muito independente na parte mental e não gosta de pessoas se intrometendo em sua pilotagem. Ele quer apenas colocar seu capacete, deixar a comunicação via rádio para si mesmo e não quer gente fuçando tudo o que está fazendo."
"Isso dá a ele uma determinação peculiar, que é muito positiva para o trabalho. Houve vezes em que seu carro estava sendo preparado minutos antes de ele partir para sua volta de classificação e ele apenas ficou sentado, aguardando a preparação. Outros pilotos ficariam apreensivos, mas com Kimi você praticamente tem que dar um cutucão em seu capacete para avisá-lo que é hora de ir para a pista."
Portanto, o apelido de Raikkonen é apropriado?
"Em várias circunstâncias. Mas quando ele quer superar algo, faz isso com muita força e isso pode soar como algo agitado. Mas ele não é assim. Ele simplesmente quer garantir que ninguém esteja em dúvida quanto àquilo que ele deseja. Posso imaginar que isso seja interpretado de forma equivocada por alguns."
Dois anos depois de um fim insatisfatório da passagem de Kimi pela Ferrari, quis saber de Slade se ele percebe em Raikkonen alguma vontade de mostrar algo às pessoas, ter algo a provar.
"Sim", consente. "Ele sempre foi um rebelde sem causa. Definitivamente. Isso faz parte de sua mente independente e, às vezes, pode ser bom para ele ter alguma coisa para remar contra. Se tudo fica muito fácil, talvez ele se sinta um pouco entediado."
Raikkonen nunca foi muito fã da parte periférica da F1, das obrigações comerciais e de mídia, mesmo sendo isso o que garanta seu pagamento.
"Tudo o que ele quer é entrar no carro e ser veloz, trabalhar com os engenheiros e ser ainda mais rápido. O resto ele vê apenas como um incômodo e uma distração", diz Slade.
"Mas é necessário contribuir com a outra parte e, conforme eu acredito, a partir do momento em que ele está convencido de que precisa fazer aquilo, ele é muito bom nesse campo. Mas ele precisa que isso seja a menor parte possível de seu trabalho."
"Eu posso compreender isso. Não digo que concordo completamente, mas posso entender porque ele enxerga as coisas dessa forma. E, no fim do dia, o time colabora com ele, pois sabe o que adquiriu e como tem que lidar com isso."
Nas últimas voltas do GP da Malásia, ninguém conseguia ser mais rápido que Raikkonen. Com um jogo de pneus duros da Pirelli, o finlandês foi três décimos mais veloz que qualquer outro.
Um homem com a experiência de Slade enxerga a Lotus como um time que pode de fato ser considerada uma candidata ao título?
"Ainda há muita gente boa e com muitos anos de experiência aqui. É um time que pode brigar, com certeza. Obviamente, você precisa de um carro que te possibilite isso. O nosso tem dado pequenas amostras de que é capaz e precisamos voltar ao nosso ritmo após alguns momentos difíceis. Mas eu acho que todo mundo está focado nas pistas e, com o desenvolvimento adequado, não há porque não acreditarmos que podemos estar no topo."
Não aposte contra uma vitória ou duas de Raikkonen em 2012.
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