* Por Lito Cavalcanti
Vocês vão me desculpar, mas estou achando um tanto quanto exagerada a repercussão da vitória do Nico Rosberg na China. Já tem gente classificando o filho do Keke como um novo campeão, um gênio e absurdos que tais. Sinto muito, mas para mim ele é o protótipo do arroz doce, aquele que é até bom piloto, mas apenas e tão somente isso, não vai além. Pode, sim, vencer vez ou outra, mas carece da verve, do talento, das qualidades dos grandes. Posso perfeitamente estar redondamente enganado, mas ainda o vejo longe de adjetivos como ótimo, grandioso e que tais, como querem alguns fãs exacerbados.
OK, concordo e nunca vou negar que ele guiou muito bem, que fez uma pole position incontestável e venceu com segurança depois de efetuar uma largada perfeita. Mas, entre tantos feitos, tem alguns mas e poréns. Um deles, talvez o principal, é o que teria ocorrido se a McLaren não tivesse vacilado na última troca de pneus do Jenson Button. O inglês vinha se mantendo em segundo, sempre próximo de Rosberg – mas a terceira troca de pneus o atrasou nada menos de seis segundos. Quando voltou à pista, ele encontrou à sua frente um bando de loucos se engalfinhando em uma disputa que mais lembrava as corridas de Fórmula Ford. Não fosse por isso, a luta do Button poderia – e deveria – ser pela liderança. E contra um Rosberg que já não tinha mais pneus para aguentar uma carga como a que o piloto da McLaren tinha programado e não pôde fazer.
O mesmo se pode imaginar em relação a Michael Schumacher. O erro do mecânico chefe de mandá-lo de volta à pista sem dar tempo suficiente para que a roda dianteira direita fosse devidamente apertada também contribuiu se não para a vitória, para a tranquilidade com que Nico pôde cuidar de seus pneus. E quem prestou atenção na corrida notou que, à menor exigência, os dianteiros perdiam aderência e o carro passava a desgarrar desesperadamente de frente. Sem seus dois mais duros adversários, a atuação de Rosberg, embora elogiável, não merece adjetivos tão grandiloquentes. A menos, contudo, que na 112ª, na 113ª ou ainda na 114ª corrida de sua carreira de sete anos na Fórmula 1 ele volte a exibir tal domínio. E não precise de erros de mecânicos para se tornar um habitué do cobiçado degrau mais alto dos pódios.
Que fique claro, também, que só estou me opondo aos elogios exagerados – também vejo muitos méritos na atuação do Nico. O maior deles é uma de suas maiores, se não a maior, qualidade: a disposição, ou a fixação, de aprender o máximo possível de seus companheiros. Esta é uma das características de sua carreira. Como companheiro de Lewis Hamilton na equipe de kart dirigida por seu pai Keke, ele evoluiu a ponto de se ombrear com o próprio Hamilton e com Robert Kubica. Na GP2, categoria em que se tornou o primeiro campeão depois de vencer cinco das 23 corridas, ficou famosa a noite em que ele só deixou a pista às 11 da noite: havia dedicado mais de quatro horas ao estudo da telemetria de seu companheiro, um velocíssimo francês chamado Alexandre Prémat, para entender porque era mais lento em duas curvas.
Talentoso, Prémat vinha de um ano dourado: havia vencido o Marlboro Masters e Macau, as duas corridas mais prestigiosas da categoria por reunirem a fina flor da Fórmula 3, às quais comparecem todos que pretendem um futuro de destaque no automobilismo. Mas terminou o ano em quarto e, talvez por isso, não chegou à Fórmula 1 – hoje corre na V8 Supercars australiana –, mas Nico chegou. Sem dúvida, sua ascendência ajudou: a F1 adora os filhos (e também os sobrinhos) dos grandes campeões, e Keke Rosberg foi um deles. Dono de estilo espetacular, guiando sempre em derrapagem controlada, Keke era um espetáculo em si mesmo; Nico não é. Longe disso, é um piloto cerebral, estudioso dos dados da telemetria, inegável e monotonamente eficiente.
Talvez sua pós-graduação tenha vindo nestes dois últimos anos, aproveitando a chance para assimilar o máximo que pôde de Michael Schumacher. Mesmo como discípulo, conseguiu se impor ao heptacampeão durante seu logo período de readaptação – se bem que até a China, vinha tomando um belo pau do hepta. Seja como for, com tudo isso ele vem-se mantendo há sete anos na Fórmula 1 – convém lembrar que ninguém (seja lá filho, sobrinho ou neto de quem for) fica na categoria máxima do automobilismo por tanto tempo que não seja por seus próprios méritos – ainda mais como assalariado de grandes equipes nestes tempos de caça à grana.
Mas para mim, pára por aí. É bom? É. É ótimo? Não. Futuro campeão? Só se evoluir o que já não se espera de quem está há tanto tempo na F1. Ficou claro? É assim que vejo o Nico Rosberg. E tem mais: eu gosto de arroz doce, só não acho a maior delícia do mundo.
Esgotado o tema, dediquemo-nos a certas estranhezas verificadas no GP da China. A maior delas: o que deu na cabeça do pessoal da Red Bull para decidir colocar um tipo de escapamento no carro do Sebastian Vettel e outro, totalmente diferente, no do Mark Webber? Dividiram a equipe em duas: ao meu lado direito, a equipe Red; ao esquerdo, a equipe Bull. Ou vice-versa (não concebo vice versa sem hífen, não é vice nem versa). Como pode isso? Desta forma, desperdiçou-se a valiosa troca de informações, a utilíssima possibilidade de se testar regulagens diferentes ao mesmo tempo e, ao fim do dia, colocar todos os dados no liquidificador e dele extrair a receita se não ideal, pelo menos o mais perto possível disso.
Sinal de desespero claro, no meu entender. O escapamento usado pelo Vettel (a pedido dele mesmo) era o primeiro modelo usado na pré-temporada (se vice-versa tem direito a hífen, pré-temporada também deve ter); o do Webber era o que o Adrian Newey copiou da Sauber e fez estrear sem testes prévios no GP da Austrália. O primeiro sopra os gases do escape para a parte inferior do aerofólio; o segundo, na direção do difusor. O pior é que os dois se mostraram equivalentes em quase todos os treinos e na corrida. Sim, o Webber deu um passão inesquecível no Vettel nas últimas voltas, com direito a batida de rodas, mas a posição em disputa era um distante quarto lugar. A única vantagem visível de um sobre o outro foi no qualify, quando Webber passou para o Q3 e Vettel sobrou no Q2. Nada garante que seria diferente se os dois usassem o mesmo escapamento, mas não se pode negar que o resultado da insólita divisão da equipe foi absolutamente inócuo.
Mas tem outras estranhezas além das loucuras da equipe dividida. E uma delas vem-se perpetrando desde o GP da Austrália, a primeira etapa do ano. Vocês já notaram que o antes tresloucado Lewis Hamilton vem-se mostrando extremamente comedido, regular, previsível? Apesar de ainda não ter vencido nenhuma corrida, o que antes o levava a bater em quem ousasse aparecer na sua frente (de preferência no Felipe Massa, mas se ele não estivesse disponível, servia qualquer outro), Hamilton é o líder do campeonato com 45 pontos. Pasmem: foi terceiro em todas as três corridas, e o pior é que anda todo satisfeito, rindo de orelha a orelha, como se fosse um Jenson Button.
Aliás, é isso que me parece: ele está se tornando uma cópia do Jenson Button. Guia dentro dos limites dos pneus, não comete mais as deliciosas ousadias de outros anos, soma pontos como se seu atrevimento característico tivesse sido substituído por um frio calculismo. Ainda bem que, nos qualifies, ainda pega o carro pelo pescoço, sacode para lá e para cá e marca tempos esplendorosos. Mas só mesmo os sábados nos fazem lembrar, com certa nostalgia, do Hamilton abusado que aprendemos a admirar, um tanto estabanado, mas sempre espetacular. A esperança é a aproximação inexorável do Button, que já tem uma vitória no bolso, a do GP da Austrália e está no momento apenas dois pontos atrás dele. Vocês se lembram da cara de poucos amigos do Hamilton naquele pódio? Talvez a aproximação do companheiro e rival seja a chave que resgatará o Hamilton desta fase excessivamente bem comportada.
Aliás, para mim já está quase definida a luta pelo título, e acho que vai ficar mesmo entre os dois pilotos da McLaren. Que, aliás, continua a melhor de todas equipes. Mesmo líder absoluta do campeonato, ela chegou à China cheia de inovações. No espaço de três semanas (na verdade, apenas duas), ela desenvolveu novas asas dianteiras e traseiras e um novo assoalho. Ou seja, sabe perfeitamente que o trabalho de melhoramento de um carro de Fórmula 1 não tem fim nem descanso. E provavelmente só não saiu de lá com a vitória por causa do erro na troca dos pneus de Button e porque Hamilton teve de trocar a caixa de marchas, por causa de uma fissura na carcaça, e perdeu cinco posições no grid, largando em sétimo depois de marcar o segundo melhor tempo.
Mas se Hamilton não parece mais o mesmo, já tem um substituto no lugar de show man. Falo de Kimi Raikkonen, que vem mostrando prova a prova que não perdeu sua majestade. Como guiou, como guia o finlandês. Com um estilo visivelmente diferente, ele sabe gastar apenas o necessário para mostrar aonde pode chegar na hora certa. No Q1 da China, foi um modestíssimo 12º colocado, o que era mais do que suficiente; no Q2, o oitavo; no Q3, ou seja, na hora da verdade, pulou para quarto. Na corrida, se manteve sempre nas principais posições, mas a escolha de fazer apenas duas paradas não deu certo. Aliás, já não havia dado certo em 2011, quando Vettel perdeu o primeiro lugar para Hamilton na última volta por causa dos pneus: os do alemão estavam no bagaço, os do inglês, que havia parado três vezes, ótimos.
É bom lembrar que Raikkonen guia para uma equipe submersa em problemas financeiros, que não tem recebido as verbas contratadas de seu principal patrocinador, patrocinador este que na semana do GP disse que não patrocina mais, que a equipe lhe deve 30 milhões de dólares e que pode tomar tudo dela, da sede aos carros. No fim, viu-se que era tudo mentira, menos a parte que não paga mais nenhum tostão, como já não pagou antes. Claro que o dono da Genii Capital, a controladora da escuderia, disse que já bancou tudo no ano passado e se for preciso banca de novo. Mas das palavras ao desembolso vai uma certa distância, mais ainda quando se trata de segundo ano seguido de dureza. Imaginem agora como ficou a cabeça do seu companheiro Romain Grosjean, que guia muito e bate mais ainda. Mas desta vez deu tudo certo para o suíço: largou em 10º, e mesmo tendo sido advertido no grid que um novo acidente não seria tolerado, se manteve calmo o suficiente para chegar em sexto.
Quem chegou logo atrás dele foi Bruno Senna, que começa a ganhar o respeito dos chefes da Fórmula 1 com suas atuações na Malásia e na China. E desta vez, conseguiu também fazer um bom qualify. OK, 14º lugar não é para espoucar champanhe, mas é muito bom considerando que seu companheiro Pastor Maldonado, sabida e reconhecidamente rápido nas provas de classificação, foi 13º, com apenas 0s006 de vantagem. Ou seja, a deficiência parece residir no carro, não nos pilotos. Na corrida, os dois duelaram roda a roda e a vantagem foi de Bruno, que somou mais um sétimo lugar e é responsável pelos 24 pontos dos 18 que a Williams conquistou neste ano. Muito bom.
Bem, chegou a hora: Ferrari. Ah, a Ferrari. A carruagem da Malásia voltou a abóbora na China. E não podia ser diferente. Sem a chuva salvadora que caiu do céu três semanas antes, os velhos dramas retornaram com ainda mais força. A queda do alto do pódio foi fragorosa, e não a salvou nem mesmo a inegável habilidade de Fernando Alonso, que andou dando suas escapadinhas como se mero mortal fosse. Largou em nono e em nono ficou até os carros que iam à sua frente começassem a parar. Teve Felipe Massa em seu encalço desde a largada e, mais uma vez, teve de recorrer às ordens dos boxes para passar o companheiro de equipe quando seus pneus tinham apenas três voltas e os do Massa, 12. Chegou em nono.
Claro que Alonso é um dos melhores pilotos de todos os tempos e o melhor da atualidade, mas milagre só no andar de cima. E se alguém surpreendeu na Ferrari neste domingo, este alguém foi o Massa. Pelo que se viu desde o qualify, quando reduziu sua natural desvantagem para Alonso para 0s273 (ainda se espera que diminua, mas já não é o vexame das outras duas corridas), se reencontrou com o carro. E, na corrida, esteve à altura de Alonso enquanto a equipe permitiu. Sim, permitiu, porque a demora de pelo menos duas voltas para chamá-lo para a segunda troca foi inaceitável. Nestas duas voltas, ele perdeu nada menos de quatro segundos, tempo que o colocaria, no final da corrida, em ...nono lugar, a colocação final do Alonso. É, sem dúvida, um ótimo argumento para os adeptos da teoria da conspiração.
Seja como for, e sei que vou ser apedrejado por isso, gostei muito do GP da China e, principalmente, da atuação dos dois brasileiros. Bruno, pela confirmação de um amadurecimento visível; Massa pela recuperação, se bem que apenas parcial, de sua combatividade. Se foram ou não os dias passados em Maranello, junto ao diretor técnico Pat Fry e seu staff, só eles podem dizer. Mas a velha garra com que ele sempre saiu de situações sombrias deu sinais de vida. Que o velho Massa volte, e que seja bem vindo. Cruzemos os dedos.
Neste domingo tem o GP do Bahrein. Não era para ter, mas vai ter. Afinal, a família sunita Al Khalifa, que submete a oposição xiita com a força das armas, paga nada menos de 45 milhões de dólares a Bernie Ecclestone e seus patrões do fundo CVC para que a Fórmula 1 corra lá. No ano passado, pagou mesmo sem ter corrida, se não tivesse de novo a fonte secaria. Muitas equipes reclamaram da boca para fora, mas a ausência significaria, para cada uma, cerca de 4,5 milhões de dólares na divisão anual do bolo. Ficaram aliviadas quando o presidente da FIA, Jean Todt, bateu o martelo e garantiu a realização do GP barenita.
Foi na sexta-feira passada. Todt foi à China especialmente para isso – mas se negou a dirigir uma única palavra à imprensa. Talvez porque essa raça abelhuda certamente lhe perguntaria se há alguma relação entre sua decisão e a presença de um membro da família Al Khalifa na vice-presidência do Conselho Esportivo da FIA, entidade que ele preside. Ou se é porque possui 23 por cento das ações da equipe ART Grand Prix que pertence a capitalistas do Bahrein, ou seja, são sócios do filho querido Nicolas Todt – não por acaso um dos mais influentes empresários de pilotos. Ainda bem que não é só com a família Todt: 50 por cento das ações da McLaren pertencem ao fundo soberano do governo do Bahrein.
Ora, com todos estes motivos, por que se preocupar com o que acontece fora dos autódromos ou com a imagem da F1 de um esporte que só se preocupa com dinheiro, como já fazia quando era a única competição a visitar a África do Sul nos tempos do apartheid – o que só deixou de fazer quando uma transportadora australiana se negou a levar sua carga sob a alegação de ser maculada. Certamente, pensam os hierarcas do automobilismo, estes protestos nunca chegarão perto do mundo de fantasia em que vivem. Provavelmente não. As forças policiais providenciarão a segurança necessária. Ou será que chegarão, como prometem os oposicionistas xiitas? E nas ruas que se deve cruzar para chegar à pista, o que acontecerá? Mais uma vez, dedos cruzados.
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