quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Um ato de coragem*

* Por Bruno Vicaria


Lewis Hamilton mudou para a Mercedes. Uma bela notícia para uma sexta-feira de fim de setembro, dando o pontapé definitivo na dança das cadeiras da Fórmula 1, que deve ser eletrizante até janeiro ou fevereiro. Mas o que eu mais li nas opiniões das pessoas foram coisas do tipo: "Que burro". Ou: "Fez a maior cagada da vida". Ou: "Como ele pode largar a melhor equipe do mundo?".

A mesma coisa aconteceu quando Michael Schumacher trocou a Benetton, uma equipe particular, pela Ferrari, em 1996. O filme é praticamente o mesmo e, se Hamilton for realmente o cara, a continuidade será parecida. Talvez sem a dominância de Schumacher, mas ele levará a Mercedes de volta com certeza.

Curiosamente, Hamilton ocupa justamente o lugar de Schumacher, mas o sentido do que eu quero escrever é outro. Não importa que pensem se vai dar certo ou não, se a decisão foi a correta ou não, o que importa é que tanto Hamilton quanto Schumacher (em 1996 e agora) tiveram a coragem de mudar, sair da zona de conforto. Para mim, foi um ato de coragem e sinceridade consigo mesmo e com a equipe, para se sentir feliz de verdade e não estragar a bela história que tem com a equipe.

A vida é assim. Vai que ele fica na McLaren e a Mercedes decola com um Paul di Resta, um Nico Hulkenberg, por exemplo. A vida e a F-1 passariam e o inglês só ficaria imaginando como seria se ele tivesse feito a mudança. E com um peso e uma frustração que ele carregaria até seus últimos dias. Isso só azedaria mais seu relacionamento com o time. É como um casamento. Você pode viver dez anos bem casado, mas pode não dar certo uma hora. Você pode romper e começar uma vida nova, ou viver casado e se lamentar para o resto da vida pelas coisas que não fez e a infelicidade que isso trouxe.

Negócios à parte para ambos os lados (a equipe ganhará um caminhão de dinheiro e o piloto está livre para ter patrocinadores pessoais a rodo), é claro que a McLaren não queria perder Hamilton. Ela se encantou por ele desde o começo, cultivou esse relacionamento, lapidou o diamante e foram muito felizes por muito tempo, uma felicidade notável, verdadeira. Mas ninguém gosta de perder. E garanto para vocês que essa separação doi mais para a McLaren que para Hamilton. A McLaren até passou por cima de um bicampeão renomado, o melhor do mundo na época, pelo pupilo estreante.

A McLaren é a melhor equipe do grid, teve os melhores pilotos da história e chove na horta dela, sempre vai chover. Mas ela não queria outro piloto, pelo menos por agora. Afinal, Hamilton e o time construiram uma relação que para a McLaren é incomum. O time sempre foi profissional, mas o envolvimento dos dois foi acima do profissional, uma relação de amor, que ambos jamais imaginariam terminar.

Talvez desde Ayrton Senna, a McLaren nunca teve uma relação tão próxima com um piloto. A ponto de a equipe demorar cinco temporadas para se recuperar. Não digo que não há sentimento da parte de Hamilton: existe amor entre as duas partes, mas uma delas, a do inglês, queria seguir, queria viver, pois tem muita vida pela frente e gostaria de conhecer coisas novas, pois ele é jovem e,  depois de tanto tempo, a relação caiu na vala comum e na rotina. É a vida, mudanças acontecem, para bom ou para o mal. Conheço muita gente que se ama mas teve de se separar. Nem tudo é perfeito e eles que o digam.

Acredito, inclusive, que o comportamento errante dele fora das pistas era um reflexo dessa situação, desse relacionamento delicado. Mas ele está justamente buscando a felicidade que na McLaren havia se perdido um pouco de 2009 para cá. E, para 2012, radicalizou: trocou de equipe e deixou a namorada. É a grande aposta dele. Ele arrancou a folha de papel do bloquinho e começou a escrever tudo de novo em uma novinha, em branco.

Ou seja: não vamos questionar o destino. Se eu nutria uma simpatia por Hamilton, agora ela aumentou. Ele tem a coragem de mudar o rumo da vida. Ele foi até o fim com a McLaren de cabeça erguida, lutando e jamais desistindo. Até o pai ele deu um pé na bunda para crescer sozinho. Essa é a graça da vida, crescer, evoluir, amadurecer, mesmo tendo de tomar decisões difíceis e dolorosas. Se você tem vontade de fazer algo, não passe vontade, não fique com medo. Tenha coragem e faça. Pelo menos você tentou.

Parabéns, Hamilton. A partir de hoje você não será mais visto como um menino problemático, mas sim, como um homem digno do título mundial que tem. E sua história ainda terá outros belos capítulos, espero. Isso só depende de você.

Ah, e obrigado pela coragem de ser o primeiro a chutar o balde nessa silly season cheia de frescuras da Fórmula 1.

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