quarta-feira, 11 de abril de 2012

ANA BEATRIZ E JEAN*

* Por Leandro "Verde" Kojima

A dupla sertaneja em questão fará um som bem mais agradável do que aquela gente que brota no meio do Centro-Oeste e sai ao mundo cantarolando mocinhas das baladas, situações juvenis e tchererês. O som de um motor 2.4 que alcança até doze mil rotações por minuto, meio áspero, levemente agudo e bastante harmonioso. Para quem está acostumado à acústica estridente e sôfrega dos motores de F1, é uma coisa diferente. Gustavo Yacamán e você.

Quando Ana Beatriz Caselato Gomes de Figueiredo nasceu, Giovanni Alesi já era um piloto de monopostos. Enquanto a pequena menina, filha de um psicólogo e uma dentista que habitavam um grande casa em um condomínio nobre de São Paulo passava o dia mamando, soltando arrotos e contemplando aquele admirável mundo novo, o jovem francês de genética siciliana já participava de sua segunda temporada na F-Renault de seu país.

O tempo passou e os dois pilotos, de mundos tão diferentes, acabaram convergindo para o automobilismo profissional. Em tempos diferentes, algo natural em se tratando de uma diferença de 21 anos entre suas idades. A menina cresceu, praticou um monte de esportes e optou pelo kart. Brincadeira de menino? Não. No início, seu talento deixou irritados alguns jovens mimados e seus pais inconformados, figuras dominantes em um ambiente puramente masculino. Aos poucos, a irritação se transformou em respeito. A princesinha Ana Beatriz virou Bia Figueiredo, um dos nomes mais promissores no kartismo brasileiro.

Bia estreou nos carros em 2003, quando assinou com a Cesário Fórmula para disputar a F-Renault daqui. Dois anos depois, em Campo Grande, ela se tornou a primeira mulher a ganhar uma corrida da modalidade no planeta. Até então, somente homens haviam vencido corridas dos diversos campeonatos de F-Renault espalhados pelos quatro cantos. Como se não bastasse, ainda ganhou mais uma em Tarumã, pista mais veloz do Brasil, e outra naquele belo circuito de rua de Vitória.

Depois disso, Bia passou pela F3 Sul-Americana e não fez feio, marcando uma pole-position em Interlagos. Mas lhe faltava dinheiro para dar o salto maior. Ela até fez um ou outro teste na Europa, mas não conseguia a verba para arranjar uma vaga em qualquer categoria que fosse. Em certo ponto da vida, até ser a reserva da equipe brasileira da A1GP estava valendo. Ficava claro que, apesar de ser uma piloto competente, o sonho de ser a primeira brasileira a correr na F1 parecia não ser nada além de mero sonho. Era hora de mudar de ares. Quem sabe os Estados Unidos?

Sábia decisão. Bia Figueiredo arranjou um carro verde e branco da competente Sam Schmidt Motorsports e partiu para a temporada 2008 da Indy Lights. Adaptou-se bem ao ambiente e aos ovais, ganhou a corrida de Nashville e levou uma guitarrinha para casa. Terminou o ano em terceiro e partiu para uma segunda temporada visando o título – se ele tivesse vindo, teria sido o maior feito de uma mulher em uma categoria de monopostos na história do automobilismo.

Infelizmente, a temporada de 2009 foi bem mais complicada. Em Indianápolis, Bia sofreu o maior acidente de sua vida e acabou precisando levar cinco pontos no queixo. A pancada acabou lhe custando a participação em Milwaukee, já que ela acabou devendo uma nota preta pelos danos à Sam Schmidt. A paulista também não conseguiu participar da última etapa, em Miami, por problemas de patrocínio. No frigir dos ovos, uma vitória em Iowa e o oitavo final nas tabelas foram tudo o que Ana Beatriz conseguiu naquele ano infeliz. Sua carreira no exterior parecia acabada. A solução seria afogar as mágoas na Stock Car Brasil ou em algo do tipo.

Mas as coisas mudaram drasticamente no começo de 2010. Surgiu uma luz no fim do túnel. Luz azul e amarela, as cores da Ipiranga. Graças ao apoio da tradicional rede de postos de gasolina, Bia Figueiredo conseguiu arranjar um terceiro carro na Dreyer and Reinbold para disputar a inédita São Paulo Indy 300. Outros apoiadores apareceram, como os computadores da STI e o creme Monange que a Xuxa jurava utilizar. O arsenal financeiro garantiu que, pela primeira vez na história, uma mulher brasileira competisse em uma categoria top.

Esta foi a trajetória da carreira de Bia Figueiredo até o início de 2010. Ela fez quatro corridas naquele ano e todas as etapas de 2011, sempre com a Dreyer and Reinbold e sempre vestindo macacão azul e amarelo. Foi extraordinariamente bem? Não, mas também não passou vergonha em momento algum. Nos treinamentos da Indy 500 do ano passado, classificou-se na bacia das almas e deixou alguns pilotos experientes chupando o dedo.

Neste ano, Bia foi prejudicada pela decisão da Dreyer and Reinbold em operar com apenas um carro no grid, o de Oriol Servià. Na certa, a incompetência da Lotus em construir mais propulsores deve ter pesado na redução da estrutura de Dennis Reinbold e Robbie Buhl. Mas ela não ficará o restante do ano cochilando em casa. Na semana passada, a Andretti Autosport confirmou que contará com sua participação nas corridas de São Paulo e de Indianápolis. Com assistência técnica emprestada pela Conquest, Ana Beatriz terá a chance de ao menos dar mais uma colher de suas habilidades à torcida brasileira e de participar da maior corrida de monopostos do mundo pela terceira vez.

Difícil é dizer o que isso representa para sua carreira. Bia está tentando participar de mais corridas, mas este tipo de acordo depende de coisas que escapam do seu controle. O fato de ser mulher já não chama mais a atenção de ninguém, o que é louvável em um mundo civilizado. Isso significa que ela só conseguirá competir e arranjar patrocínio por meio de doses cavalares de talento e tino comercial. Ela é habilidosa, mas vai precisar de mais do que isso. De uma reviravolta, talvez.

Quem não precisa de reviravolta é seu companheiro de dupla sertaneja, Jean Alesi.

Este daí é velho conhecido de todos que acompanhavam a F1 há pelo menos uns dez anos. Não só conhecido como também um grande nome de uma geração que nunca disse a que veio. Muitos foram aqueles que apostaram em Jean Alesi como o grande sucessor do legado franco de Alain Prost, o novo representante da escola exuberante de Ayrton Senna ou o grande futuro adversário de Michael Schumacher. Infelizmente, Jean nunca passou de um Alesi.

Um cara que andava absurdamente bem em treinos. Que não tinha problemas em destruir seus companheiros de equipe nas sessões de sábado. Que largava melhor do que qualquer um. Que ultrapassava. Que evitava ser ultrapassado. Que liderava corridas com um carro nem sempre perfeito. Que ameaçava ganhar e maravilhar uma nação ferrarista inteira. Que sentia um vazamento, uma fumaça suspeita, um barulho estranho. Que encostava o carro na grama, todo arrebentado. Que voltava para os boxes nervoso ou choroso. Que matou muita gente do coração. Que deixou saudades.

Alesi deveria ter sido campeão do mundo. Ao meu ver, merecia mais do que Mika Hakkinen, Damon Hill ou Jacques Villeneuve, embora não obrigue ninguém a concordar com isso. O que ninguém pode discordar é que uma vitória em 201 corridas é muito pouco. Uma tremenda injustiça, mesmo que este trunfo solitário nunca tenha impedido que uma legião de pessoas cultivasse verdadeira devoção por ele.

Pois os fãs poderão ficar felizes. Prestes a completar 48 anos, Jean Alesi voltará a andar em um monoposto. Mais de dez anos após sua aposentadoria da F1, o francês foi anunciado na semana passada como piloto da Newman-Haas nas 500 Milhas de Indianápolis. Será a primeira vez dele num carro da Indy e em um circuito oval. Portanto, o coroa terá de passar pelo Rookie Test e por todas aquelas burocracias que a molecada é obrigada a encarar. Curioso, em se tratando do cara que foi o melhor estreante da F1 no distante 1989. É como o aposentado que decide voltar à faculdade após meio século.

É bom que se saliente que Alesi só está retornando porque trabalha como embaixador da Lotus Cars, aquela que tenta a duras penas fornecer motores para algumas equipes infelizes da Indy. Em setembro do ano passado, a Lotus decidiu lhe dar uma chance de disputar a mais famosa corrida em oval do planeta. Falava-se que a HVM, que foi uma das primeiras equipes a confirmarem a parceria com a marca malaia, seria quem lhe colocaria na pista. Como o mundo dá voltas, Jean acabou sendo anunciado por outro nome famoso que retorna à Indy em Indianápolis, Newman-Haas.

Ana Beatriz e Jean, dois pilotos totalmente diferentes cujas trajetórias nunca sequer se cruzaram. Um ano e seis meses separam a última corrida de monopostos do velho francês da primeira corrida de monopostos da mocinha. Os dois sonharam com F1, mas apenas um chegou lá. O que não é tão relevante. Em momentos diferentes da vida, cada um tem sua história, seus feitos e seus objetivos. Cada um é um estranho ímpar.

Mas os dois se encontrarão em Indianápolis. E se juntarão a pessoas de histórias tão distintas como Mike Conway, JR Hildebrand, Oriol Servià, Luca Filippi e Ryan Briscoe. Esta é uma das grandes graças da Indy, que comporta pilotos de perfis completamente díspares. Todos na longa estrada da vida, na esperança de serem campeões.

Um comentário:

Rodrigo Cabral disse...

Bom! Bom!
que bela reportagem...tirou algumas curiosidades minhas...
vasto conteúdo e assunto bem abordado da vida da Bia.

Assim lembramos, que é duro o início para todos...