* Por Adam Cooper, colaborador do AUTOSPORT.com
O GP da Malásia foi extraordinário. Qualquer corrida onde os caras que largam em oitavo e nono terminam em primeiro e segundo tem de ser algo excepcional - especialmente se houve apenas um abandono entre os competidores que começaram a prova à frente deles.
Foi uma pena não termos visto uma etapa totalmente disputada em pista seca, já que se trata de um traçado mais típico da F1 do que Melbourne, porque havia coisas muito interessantes a serem observadas, especialmente Sebastian Vettel largando com pneus duros. Mas a corrida em si mais do que compensou tudo isso.
As favoritas ao título, McLaren e Red Bull, tiveram uma tarde complicada e alguns espinhos para superar, mas toda a prova de Sepang se resumiu a dois homens: Fernando Alonso e Sergio Pérez não apenas aproveitaram suas chances, como também humilharam totalmente qualquer oponente que pudesse, em teoria, ser mais rápido.
Isso foi possível, em grande parte, por causa dos pneus. Não apenas por causa do momento certo da escolha de trocar um tipo de composto pelo outro, mas também pela indecifrável arte obscura de mantê-los conservados e em uma janela de performance plena, numa situação onde era fácil cometer erros. Um piloto pode passar de herói para um zero à esquerda muito facilmente se seus pneus não funcionam. Nesse caso, começa uma espécie de espiral decadente, porque, se você perde temperatura, não pode andar rápido, perde a confiança e nunca mais consegue recuperar essa janela.
O mais impressionante é que Alonso e Pérez entraram no páreo com pneus de chuva forte, mas se mantiveram no comando da corrida tanto com os intermediários quanto com os de pista seca. Nenhum outro competidor foi capaz de impor qualquer pressão sobre eles.
Para Pérez, a chave para isso foi o primeiro trecho. Chovia antes da largada e todo mundo largou com os intermediários - exceto a HRT, que tomou a brilhante decisão de começar com os compostos de chuva forte. A decisão não funcionou com Pedro de la Rosa, já que o espanhol sequer conseguiu sair com o carro do grid, mas, assim que a chuva começou a apertar na volta de apresentação, Narain Karthikeyan estampou um sorriso de orelha a orelha em seu rosto.
Ninguém mais teve a ideia de adotar tal tática antes da corrida, bem como, igualmente, ninguém mais teve a sacada de entrar nos pits no fim da volta de apresentação, fazer a troca e largar dos boxes. Ninguém ter feito isso foi extraordinário.
No fim da primeira volta, apenas um piloto optou por mudar a estratégia e foi logo Pérez (Bruno Senna também parou, porém forçado, após danificar sua asa dianteira).
"Foi uma boa tática", avalia o projetista chefe da Sauber, Matt Morris. "Temos que dar os créditos ao piloto: ele estava confiante de que a pista estava pronta para os pneus de chuva forte. Foi uma decisão corajosa por parte da equipe também e isso certamente nos colocou em uma boa posição na relargada. Ele [Pérez] é a pessoa que mais sabe como estão as condições. Nós fazemos apenas aquilo que ele nos solicita. Portanto foi uma grande decisão de sua parte".
Na base do "antes tarde do que nunca", os outros competidores lutaram contra uma pista cada vez mais encharcada, enquanto Pérez escalava o pelotão. Quando o safety car entrou, ele estava em terceiro, atrás apenas das McLaren.
Entretanto, antes da bandeira vermelha, Fernando Alonso subiu de oitavo para quinto, ganhando as posições de Sebastian Vettel e Nico Rosberg na pista, herdando outras duas com o incidente entre Romain Grosjean e Michael Schumacher e perdendo um posto para Pérez.
Aqueles que perderam a hora certa de trocar os intermediários por compostos de chuva forte tiveram a chance de reparar a situação quando surgiu a oportunidade de seguir o caminho inverso. Durante o safety car que sucedeu a bandeira vermelha, ouvimos Nico Rosberg confirmando que voltaria aos intermediários. E ele não foi o único: Jenson Button deixou a segunda posição e liderou a fila que entrou nos boxes ao fim da volta 13, quando a bandeira verde foi acionada novamente.
Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Mark Webber estavam entre os que pararam na volta seguinte, deixando Pérez na liderança. O mexicano demorou mais uma passagem para entrar, acompanhado por Vettel.
Assim como no primeiro pitstop, você pode argumentar que a Sauber escolheu um caminho conservador, já que Pérez foi o primeiro a colocar os "mais seguros" pneus de chuva forte e um dos últimos a abandoná-los. Ficar na pista por mais tempo realmente custou tempo ao mexicano e essa filosofia de minimizar os riscos se mostraria ainda mais prejudicial em outro momento da prova.
Enquanto tudo isso acontecia, Button colidia com Karthikeyan e Hamilton perdia tempo em um pitstop ruim, que o forçou a esperar Felipe Massa cruzar pelo pitlane para poder retornar. As situações fizeram com que, na 16ª volta, Alonso e Pérez estivessem em primeiro e segundo lugares.
Em terceiro, Hamilton era a grande ameaça aos dois e parecia ser questão de tempo para que o inglês os devorasse. Mas ele nunca concretizou as previsões e, após algumas voltas, nos demos conta de que aquela prova ficaria realmente entre aqueles caras que já estavam na ponta.
Matt Morris afirma que a Sauber estava ciente de que tinha um bom pacote para aquelas condições. "Sabemos que o carro é bom na chuva e estávamos discutindo isso antes da corrida. Esse era realmente o cenário perfeito para nós. Dadas as características do nosso carro, a pista molhada era o melhor para nós. Sabíamos que tínhamos uma chance realmente boa de estar onde estávamos, ou até de irmos além".
"Quando andamos com os pneus de chuva forte e com os intermediários [nos treinos livres] em Melbourne, vimos o quanto fomos competitivos. Na Malásia, a aderência e o arrasto aerodinâmico que usamos também eram bons para chuva."
Com os pneus intermediários, qualquer deficiência da Ferrari F2012 foi disfarçada pelo talento extremo de Alonso, que fez aquilo que sempre faz quando sente o faro de vitória: atinge outro nível de pilotagem. Dessa forma, a vantagem inicial de 2s4 na 16ª volta subiu para 7s7 na 30ª. Ao mesmo tempo, Pérez, contrariando as expectativas, aumentava a diferença para Hamilton de 6s3 para 15s5. Se o carro se adaptou às condições, também o piloto tem grande parte dos méritos.
"Eu acho que muito disso veio porque Sergio estava em seu ápice, de verdade", relata Morris. "Na comparação com Kamui [Kobayashi], ele estava muito mais confiante no carro. É aquela coisa: quando você está lá em cima, em segundo, perseguindo uma Ferrari, você consegue extrair mais meio segundo do carro".
Com a pista secando volta a volta e alguns competidores começando a ter problemas com os intermediários - Rosberg, Button e Felipe Massa, por exemplo, foram obrigados a fazer uma parada extra -, Pérez começou a se aproximar de Alonso. Foi extraordinário vê-lo fazendo uma volta mais rápida atrás da outra no momento em que a transição para os pneus de pista seca ficava cada vez mais iminente.
Foi Daniel Ricciardo o primeiro a fazer a troca. Os tempos de volta do australiano alertaram todo o pitlane sobre a necessidade de fazer a mudança o mais rápido possível. A decisão fica mais difícil quando você lidera e tem muito a perder, portanto tanto Ferrari quanto Sauber hesitaram. Alonso veio na volta 40 e, para espanto de todos, Pérez ficou por mais uma volta (algo que, para sermos justos, Hamilton também fez).
Novamente, a equipe suíça pecou pela cautela, já que havia uma dúvida coletiva: correr o risco podia representar o triunfo, ao mesmo tempo que poderia terminar em desastre se o piloto passasse por uma área molhada com os pneus de pista seca. Além disso, havia previsão de mais chuva no radar da FIA, algo que deixou todos receosos.
A questão é que a volta a mais certamente custou a vitória de Pérez. Ele estava 1s3 atrás de Alonso antes dos pits e diminuindo rapidamente a vantagem. Imediatamente após sua parada, ele estava a 7s1 do espanhol, tendo perdido um pouco mais de tempo ao engasgar o carro enquanto saía dos boxes.
"Ficamos apenas observando Alonso e Hamilton para ver o que eles faziam", explica Morris. "Também ficamos com receio, já que o radar previa mais chuva , por isso ficamos um pouco nervosos em colocar pneus slick antes dos outros", reconheceu.
"Acho que ficamos realmente contentes com o segundo lugar e não queríamos jogar aquilo fora. Você poderia afirmar que fomos muito cautelosos, mas também tivemos um problema durante o pitstop. A embreagem estava escorregando, talvez porque houvesse um pouco de óleo ou algo do tipo, portanto perdemos provavelmente mais um ou dois segundos ali."
Apenas para aumentar a diversão, Pérez optou pelos pneus mais duros, enquanto Alonso escolheu os médios, com os quais a Sauber não se deu muito bem durante a classificação. Nessas configurações, o mexicano tinha 14 voltas para tirar uma vantagem de 7s1 com relação ao espanhol.
E, como todos vimos, ele quase conseguiu completar a missão, mesmo recebendo uma mensagem de "seja cuidadoso" pelo rádio - algo que alguns interpretaram como uma ordem para não bater de frente com a Ferrari. Dada a frustração que a Williams sofreu na Austrália, quando Pastor Maldonado jogou fora um sexto lugar enquanto perseguia Alonso, o alerta da Sauber foi algo justificável. "Você observa os tempos cada vez mais baixos, as fritadas de pneus e o tamanho da distância que ele tinha que tirar", argumenta Matt Morris.
A seis voltas do fim, Pérez estava a meio segundo, mas o piloto tocou uma zebra úmida de forma muito agressiva e escapou da pista. Depois disso, a luta chegou ao fim e restou ao castigado mexicano acompanhar Alonso até a linha de chegada.
"Acho que foi uma grande corrida de Sergio", elogia Morris. "Ok, você pode ser um pouco crítico, pois havia cinco voltas para passar e ele poderia ter escolhido um lugar mais fácil para atacar. Ele vai aprender com isso e não creio que tenha ficado tão preocupado. Não estamos preocupados", acrescenta.
Em meio a tanta empolgação, ficou fácil esquecer o quanto Alonso fez um grande trabalho com um carro longe da perfeição. Embora Pérez não tivesse sua experiência, o espanhol resistiu a uma enorme pressão. O chefe da Ferrari, Stefano Domenicali, admitiu que, até a bandeira quadriculada, ele não tinha certeza se Alonso realmente ficaria com a vitória.
"Para ser honesto, foi assim até a última curva", disse Domenicali. "Quando Pérez cometeu aquele erro, houve um pouco de alívio. Mas, até a última volta, a volta da chuva ainda era possível", ressaltou.
O resultado deu certo respiro ao time italiano e, se Alonso continuar a marcar pontos e a equipe iniciar a temporada europeia com um carro mais bem desenvolvido, o espanhol pode ser o elemento surpresa deste ano.
E quanto à Sauber? Não há motivos para assumir que o GP da Malásia foi mero acaso. O carro se mostrou bom nos testes e, na Austrália, seu real potencial ficou escondido na classificação, embora pudéssemos ter tido uma amostra de seu real valor na corrida, quando Pérez escalou o pelotão com apenas uma parada.
"Acho que temos um carro competitivo. Em Melbourne, nossa performance foi abaixo do real. Na classificação, Sergio teve um problema de câmbio e Kamui cometeu um erro. Na corrida, os dois carros se tocaram na primeira curva e, enquanto um perdeu aderência na parte dianteira, o outro teve o mesmo problema na parte traseira. Depois, os dois se arrastaram na corrida e ninguém reparou em nós", ressalta Morris.
"Na Malásia, enfrentamos alguns problemas no treino classificatório. Tivemos contratempos na parte mecânica, especialmente com Kamui, que não conseguimos detectar até uma análise posterior dos dados. Acho que isso camuflou um pouco as coisas. Se pudermos extrair um pouco mais de nós mesmos na próxima corrida, não há porque não crer que vamos marcar pontos de novo."
No ano passado, vimos que a Sauber conseguiu atingir o nível máximo de conservação de pneus, o que permitiu ao time adotar estratégias extremas. Neste ano, a situação se mantém. A dificuldade é encontrar o equilíbrio entre o desempenho de classificação e de corrida, conforme a Mercedes já descobriu.
"Estamos perdendo muito tempo nisso", revela Morris. "Nossa performance em corrida é claramente boa e nosso desempenho em classificação melhorou, mas ainda não estamos nos classificando onde sabemos ser as reais posições para o ritmo do nosso carro."
"Na Malásia, tivemos alguns problemas na classificação. Se olharmos para os tempos dos caras que ficaram à nossa frente, exceto Alonso, todos foram muito mais rápidos que nós, portanto essa é uma área onde precisamos fazer um trabalho específico", comenta.
"Esses pneus são muito difíceis de administrar. Eles requerem um tipo diferente de gerenciamento na comparação com os do ano passado e precisamos trabalhar mais neles para a classificação", reconhece.
"Vimos nos testes de inverno que o carro é bom com esses compostos, já que Barcelona é uma pista muito difícil para os pneus. Tudo bem que o carro não se comportou tão bem com os super macios na pista espanhola, mas creio que todos tenham sofrido um pouco com o mesmo problema e que conseguimos lidar bem com todos os tipos de compostos, portanto acho que estamos bem."
Dessa forma, se os carros branco-e-chumbo puderem estar entre os dez primeiros nas classificações, talvez possam proporcionar mais incômodos aos times grandes nas corridas.
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