* Por Lívio Oricchio
A notícia é muito boa para o Brasil. E vem de quem decide na Ferrari, seu diretor geral, Stefano Domenicali: “Se Felipe continuar correndo como tem feito não vejo nenhum problema para o futuro. Estou tranquilo quanto a nossos pilotos para 2014”. Os três acidentes sofridos por Felipe Massa recentemente não têm representatividade perto dos importantes pontos conquistados para a equipe desde a metade da temporada passada.
Nessa entrevista exclusiva ao Estado, realizada em Montreal, onde hoje será disputado o GP do Canadá, além de quase garantir a permanência de Massa na Ferrari o dirigente italiano diz ainda que os responsáveis pelos direitos comerciais da Fórmula 1, representados por Bernie Ecclestone, têm uma missão urgente pela frente: “Aproximar a Fórmula 1 dos jovens, hoje pouco interessados pelo evento”.
Estado (E) – A corrida aqui no circuito Gilles Villeneuve terá no mínimo dois pit stops. Prefere essa Fórmula 1 de resultados menos previsíveis e com pneus de elevada degradação, este ano um tanto criticada, ou o modelo anterior, com os pilotos podendo exigir tudo do carro e dos pneus o tempo todo?
Stefano Domenicali (SD) – Temos agora um fornecedor de pneus (Pirelli) que concordou em produzir pneus que gerem corridas com vários pit stops. Cabe a nós, equipes, responder da melhor forma possível a esse desafio, sem criticar a decisão (de Bernie Ecclestone, promotor do Mundial) toda hora. Corremos o risco de destruir um brinquedo extraordinário, a Fórmula 1. É um novo formato como tantos distintos que já tivemos. Reabastecimento, corridas sem pit stops, disputa entre dois fabricantes de pneus, dentre outros. Alguns aqui dentro da Fórmula 1 condenam o atual formato por desejar transformar o número de pit stops em algo da sua conveniência. Por outro lado, com várias paradas, precisamos encontrar formas de explicar o que está acontecendo na corrida para os fãs, pois sua compreensão nem sempre é fácil. O telespectador vê um piloto numa classificação que na realidade não é aquela, por causa da ordem dos pit stops. Nós, atores, não podemos ficar criticando a Fórmula 1 sempre, como agora. Os fãs se cansam. Temos, sim, é de passar uma mensagem positiva.
E – Qual modelo você acredita que a torcida prefere, as corridas com muitos pit stops ou com poucos?
SD – Creio que há quem goste de um formato e quem deseje o outro. Depende muito de como as corridas se desenvolvem. No modelo de hoje, o que vemos num domingo pode ser bem diferente do que assistimos no seguinte. O que disseram a respeito desse e daquele hoje na segunda-feira seguinte é revisto por completo. Com mais pit stops as provas são mais emocionantes, mas como disse é importante que o seu desenvolvimento seja bem explicado para o torcedor, pois é fácil se perder. O que posso dizer do ponto de vista de uma equipe é que trabalhamos muito mais com o atual formato, temos de estar atentos a bem mais parâmetros.
E – A Pirelli deseja ou necessita mudar os pneus traseiros atuais para evitar problemas como tiveram Massa, Hamilton e Resta, a delaminação, ocorrida em ocasiões especiais. Mas não consegue por precisar de que todos os representantes das equipes concordem.
SD – Em nenhum momento a Pirelli citou a palavra segurança para justificar a mudança. O que não podemos é projetar um carro para as características dos pneus que nos foram repassadas pelo fornecedor de pneu e, de repente, essas características serem alteradas. Houve quem trabalhou melhor para explorar esses pneus e quem está compreendendo durante o campeonato como fazê-los funcionar melhor. Agora, mudar o pneu durante a temporada no meu ponto de vista está errado.
E – Como está vendo todo esse desgaste para a Fórmula 1 com o teste da Mercedes para a Pirelli com o carro atual?
SD – Os testes são proibidos pelo regulamento. Nós realizamos um teste mas com o carro velho, de 2011, o que não é ilegal. A FIA solicitou os dados do nosso teste e depois de analisá-los não nos culpou por nada. Temos, agora, um processo em curso (contra a Mercedes) e o Tribunal Internacional vai julgar. Não tenho mais comentários a esse respeito.
E – Estamos nos aproximando da metade do campeonato e diante da mudança radical no regulamento em 2014 será importante definir os pilotos o mais breve possível. Você já está pensando nisso?
SD – (Risos). Essa é uma das soluções mais fáceis a serem tomadas quanto à próxima temporada. Complexo é o desafio técnico que enfrentamos com tantas mudanças e sem poder realizar testes. Vamos chegar no início do próximo ano com várias incógnitas e com apenas três testes antes do início do campeonato não temos garantia de entender tudo. Esse é um tema para profundas reflexões. Sobre os pilotos, todos sabem que Fernando (Alonso) tem um contrato de longo prazo e Felipe, apesar de tudo que disseram, continua conosco. Se Felipe continuar correndo como tem feito não vejo nenhum problema para o futuro. Estou absolutamente tranquilo quanto a nossos pilotos para 2014.
E – Felipe Massa deve, então, continuar na Ferrari?
SD – Absolutamente sim.
E – Uma curiosidade: a FIAT, proprietária da Ferrari, é a líder do importante mercado brasileiro de veículos há sete anos e até o fim de 2013 produzirá cerca de um milhão de veículos. Esse fato tem algum peso na hora de a Ferrari definir o companheiro de Alonso?
SD – Zero, zero, zero.
E – Vê algum grande talento aparecendo no cenário internacional?
SD – Sinceramente não. Volto ao discurso da proibição dos testes. Os pilotos não se formam no simulador, mas na pista. Está nascendo esse projeto da FIA de criar um plano de ascensão na formação dos pilotos, com a Fórmula 4, Fórmula 3… para lhes dar a possibilidade de ir crescendo. Mas é importante que se dê a esse jovem a chance de pilotar carros da Fórmula 1. Hoje o regulamento autoriza três dias de testes para jovens pilotos por ano.Vamos falar claro, isso significa nada. E como é proibido também para as equipes treinarem durante o ano, elas aproveitam esses testes com os jovens pilotos para realizar as experiências técnicas que necessitam nos carros. E quanto a esse teste também, vale lembrar que alguns times veem nele a possibilidade de ganhar dinheiro, eles precisam. Em resumo, não é com esses três dias de testes que vamos descobrir jovens pilotos de talento. Precisamos rever a estrutura da sua formação. Há hoje grandes pilotos na Fórmula 1, mas nas categorias de baixo não vejo os pilotos extraordinários que apareciam antes.
E – O desafio técnico enfrentado pelas equipes na concepção dos modelos de 2014, com motor turbo e dois sofisticados sistemas de recuperação de energia, capazes de disponibilizar 180 cavalos de potência, será, da mesma forma, extendido para os pilotos. Eles precisarão submeter-se a longo treinamento antes de sentar no carro e depois estudar como utilizar todos os recursos durante as corridas.
SD – Será muito importante o trabalho no simulador, entender e se habituar com todos os parâmetros. Nossos técnicos a cada dia descobrem elementos novos com repercussão no desempenho do carro. E quando pudermos nos dedicar menos ao carro atual para nos concentrarmos no de 2014 com certeza novas descobertas virão à tona. Será preciso reunir tudo isso, explicar em detalhes aos pilotos e treiná-los. Insisto: sem testes de pista. Realizar esse complexo trabalho e ainda nos preocuparmos com o carro deste ano não é fácil e não temos, também, recursos ilimitados.
E – Que tipo de piloto deverá ser o que melhor vai interpretar a nova realidade da Fórmula 1, em 2014, bem distinta da atual?
SD – Não sei definir com precisão o perfil desse piloto. O que já foi possível compreender é que não poderá tentar tirar tudo do carro o tempo todo. Vai ter de saber administrar o desgaste dos pneus, como este ano, e muitos outros parâmetros, como o consumo de combustível. Teremos 100 kilos para a corrida, o que representa cerca de 30 a 35 % a menos deste ano. É uma diferença grande. O piloto não poderá pensar apenas em acelerar. O desafio da pilotagem vai ser bem mais complexo que hoje.
E – Há um consenso de que a Fórmula 1 perdeu público, e a idade média de quem se interessa pelo evento é relativamente alta. O que fazer para reverter essa tendência?
SD – Aproximar a Fórmula 1 dos jovens, hoje pouco interessados pelo evento. Diria muito jovem. Hoje há tantas áreas que os prende atenção, houve uma dispersão de interesse. Temos de mostrar a essa gente o que fazemos, o que é a Fórmula 1, tudo com a ajuda da mídia.
E – A internet não seria a melhor forma de atingir esse público jovem?
SD – Concordo plenamente. A Fórmula 1 precisa dar um grande salto nessa área de comunicação e também na comercial. Quem administra os direitos comerciais deve recorrer a essa tecnologia e as que virão e nós como atores ajudarmos para que seja adotada o mais breve possível. O que primeiro me preocupa, nesse sentido, como responsável pela Ferrari, é a necessidade de passarmos essa noção de paixão que a Fórmula 1 gera. A Fórmula 1 chegou onde chegou porque Ecclestone teve visão para conduzi-la num determinado mundo, cheio de direções também. Daqui para a frente será necessário fazer a mesma coisa, mas tendo em mente que o mundo hoje é diferente daquele.
E – Não há dúvida de que a liderança forte do senhor Ecclestone foi e é muito importante para a Fórmula 1. Mas, aos 82 anos, um dia terá de se deixar suas atividades. Como pensa que será a Fórmula 1 pós era Ecclestone?
SD – O novo modelo de gestão terá um chefe também, mas atrás de si haverá um grupo estruturado com responsáveis pelas várias áreas que compõem o nosso evento, organização, mídia, relação com os sócios. As decisões serão colegiadas, representarão o resultado de discussões dentro desse grupo.
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