* Por Lito Cavalcanti
Até agora ainda não cheguei a uma conclusão quanto ao vencedor deste magnífico campeonato de 2012. Algumas certezas eu tenho. Como a de que este ano ficará na história como o mais imprevisível e disputado dos últimos anos – se não de todo o sempre. De que as duas últimas corridas, a dos EUA e do Brasil, foram inigualáveis. Mas ainda não sei dizer que o título está ou nas mãos certas.
Não que eu tenha qualquer dúvida quanto à habilidade de Sebastian Vettel. Longe de mim. O problema é que também não vejo nem um único ponto em detrimento de Fernando Alonso. Já tentei me convencer de que, fosse quem fosse o campeão, nada mais haveria a se discutir. Não deu certo. Continuo a achar que, se Vettel mereceu o título, como de fato mereceu, Alonso não mereceu menos.
Talvez o ponto que me deixa mais conformado por ter sido o alemãozinho e não o espanhol o campeão deste ano inesquecível esteja mais ligado às suas equipes. Claro, queiramos ou não, por mais que se chame Campeonato Mundial de Pilotos, o torneio depende intrinsecamente dos carros – portanto das equipes.
Também neste ponto vejo qualidades diferentes mas ainda equivalentes. Ou quase. Sim, a Red Bull tem como pedra fundamental a genialidade de seu projetista Adrian Newey. De sua pena (ele recorre aos hoje prosaicos papel e caneta em vez de computadores) têm saído, nas duas últimas décadas, as mais eficientes e criativas ideias, uma releitura da aerodinâmica aplicada a veículos terrestres. Quase todas, se não todas, consagradas pela conquista de títulos mundiais, tanto de pilotos quanto de construtores.
Na outra mão, a Ferrari vem construindo, nos últimos anos, carros a prova de bala. Um carro de Maranello abandonar uma corrida por defeito mecânico, eletrônico ou qualquer outra razão é uma coisa impensável. E quando se fala em Fórmula 1, se fala na dificílima arte de miniaturizar componentes que, mesmo tão menores, são submetidos a esforços gigantescos e precisam suportá-los. Isso poucos fazem, e a Ferrari faz como ninguém.
Não concordo com as perorações do espanhol de que perdeu o título por ter um pneu furado em um toque com Kimi Raikkonen na largada do GP do Japão. Tenho para mim que a culpa foi dele ao tentar espremer o finlandês ao chegarem na primeira curva. Mas acho que ele tem certa razão ao lembrar do GP da Bélgica, quando foi vítima de uma manobra amalucada de Romain Grosjean, com a estreita colaboração de Lewis Hamilton, também nos primeiros metros.
Ele largara na quinta posição, a mesma em que chegou Felipe Massa. É perfeitamente viável estimarmos que Alonso seria pelo menos o quinto colocado ao fim daquela prova. E somaria 10 pontos que teriam mudado a história do campeonato a seu favor. Afinal, não foi por erro seu ou falha da equipe que o espanhol ficou fora daquela corrida (o que não se pode dizer no caso do Japão). Daí minha incerteza.
Concordo quando Alonso diz, e muitas vozes autorizadas repetem, que este foi o ano em que teve seu melhor desempenho. Mas o mesmo também se aplica a Vettel. Ambos mostraram, por diversas vezes, habilidade, estratégia, visão de corrida e, principalmente, controle de seus carros e, o mais difícil, de suas mentes.
Até nas maracutaias os dois se equivaleram. Foi altamente reprovável a decisão da Ferrari de forjar a quebra do câmbio de Felipe Massa, fazendo-o ser deslocado do sexto para o 11º lugar no grid dos EUA para ensejar a Alonso largar do lado mais limpo da pista. Mas o que dizer da ultrapassagem de Vettel sob regime de bandeira amarela? Vale para um e não vale para outro? Ora, se a “esperteza” da Ferrari é legal perante os olhos da FIA, é imoral aos olhos do mundo; e ultrapassar sob bandeira amarela é ilícito.
Aqui um aparte. Muito se falou de Vettel passar uma HRT e a Sauber de Kobayashi sob bandeira amarela. A FIA estudou os dois casos e, com razão, concluiu que ambas manobras foram perfeitamente legais. A que ela não viu, e dela pouco se falou, foi quando o alemãozinho passou um Toro Rosso de passagem na Reta Oposta, bem em um ponto em que a luz amarela piscava ensandecida. Foi gritante, e ele nada pode alegar, já que também as luzes amarelas do painel, que advertem os pilotos de que estão sob regime de bandeira amarela, estavam acesas.
Voltando ao tema original, tanto Alonso quanto Vettel tiveram começos difíceis. Os carros da Ferrari eram decepcionantes lentos, sua evolução corrida a corrida foi surpreendente. Os da RBR não se achavam com a redução da eficiência do difusor traseiro, uma imposição da FIA. E quando parecia que começavam a encontrar o caminho, os comissários esportivos mudavam as regras e, por mais de uma vez, impuseram maiores restrições à flexão dos aerofólios dianteiros.
Seja como for, foi um ano de tanta qualidade que ainda tem muita gente a ser citada e elogiada. Como Lewis Hamilton. Para mim, é ele o piloto que mais emoções desperta na F1 atual. Rapidíssimo, ousado, Lewis venceu quatro etapas – sofreu duas quebras quando liderava e algumas outras em que forçosamente somaria pontos. Foi vítima da enorme fragilidade que afligiu uma McLaren que começou o ano como protagonista e acabou como coadjuvante.
Estes problemas ajudaram a entender sua inesperada decisão de deixar a equipe que, há 14 anos, o adotou como filho dileto. Além da insuficiência técnica, contou também a mais do que rígida disciplina e a inflexibilidade com que a equipe de Ron Dennis trata seus funcionários. Ao negarem a Hamilton a possibilidade de ostentar em suas vestes a marca que vai lançar em 2013, uma operação comercial cujo potencial de mercado já é considerado tão grande ou maior que a do superstar David Beckham.
Não era hora para isso. Principalmente para a McLaren, que em 2014 vai ter de pagar pelos motores que hoje recebe de graça da Mercedes – que, aliás, também paga o salário de seus pilotos. Perder Hamilton é perder demais. Pior ainda substituí-lo pelo mexicano Sérgio Perez, que após ser confirmado como novo integrante da McLaren deixou claro, a cada corrida, que não está pronto para a tarefa. E ninguém sabe se um dia vai estar.
Teve também os dois Felipes Massa. Sim, foram dois. O primeiro, da Austrália até a Hungria, não era sequer sombra do Felipe Massa que um dia nos empolgou. Inadaptado aos caprichosos pneus Pirelli, logo perdeu a confiança e se afundou de prova em prova. O segundo foi o que surgiu a partir das férias de agosto. Já na Bélgica ele iniciou uma série de nove corridas nos pontos, subiu ao pódio duas vezes, mostrou o acerto da Ferrari ao renovar seu contrato e somou mais 97 pontos em nove corridas.
Neste segundo turno, o mais eficiente foi Vettel, com 142 pontos. A seguir vieram Jenson Button, com 112, Alonso, com 110; Kimi Raikkonen, com 91, Hamilton, com 73 e Mark Webber, com 55. Massa foi o quarto, mas não nos esqueçamos que pelo menos nos EUA e no Brasil ele cedeu a Alonso mais do que os três pontos que colocaram o espanhol à sua frente. Foi enorme o prazer de poder dizer que Felipe Massa está de volta.
Se ele vai ter a chance de lutar em condições de igualdade com Alonso no ano que vem, só o futuro dirá. Mas imagino a delicada situação que a Gestione Sportiva de Maranello viverá se isso acontecer. A pressão será enorme, e não poderia ser diferente em uma casa em que o presidente Luca Di Montezemolo e o diretor de competições Stefano Domenicali têm a indelicada atitude de dizer que Alonso, mesmo batido, foi melhor do que o campeão Vettel. Perdão, tricampeão. Pode-se até acreditar nisso, mas este tipo de comentário, neste momento, foi pelo menos pouco cavalheiresco.
Sim, tricampeão, no sentido estrito do termo: campeão por três anos consecutivos. Antes dele, só Juan Manuel Fangio, nos heroicos anos 50, e Michael Schumacher, nos anos de domínio absoluto da mesmíssima Ferrari, conquistaram tal galardão. Vettel merece mais respeito. Mas Ferrari é Ferrari, Montezemolo é Montezemolo.
Começo a imaginar como será este 2013 que já nos bate à porta. Nos carros, poucas mudanças, apenas a restrição do uso do DRS (aquele sistema que permite ao piloto abrir a asa traseira e assim ganhar velocidade nas retas) nos treinos e alguns outros detalhes nos escapamentos, mais uma batalha na guerra da FIA contra os difusores.
Nas equipes, muitas, e promissoras. Nico Hulkenberg é hoje o piloto que mais de perto acompanho. Excelente potencial, veloz, inteligente e ousado, ele vai mudar os rumos da Sauber como fez neste ano com a Force India. Aliás, que absurdo os comissários esportivos o punirem pelo choque com Hamilton. No entender de muita gente que estava lá dentro nesta mesma categoria, o drive through a ele imposto foi despropositado.
Foi mais um atentado à arte de pilotar por parte dos comissários esportivos, que mais parecem zeladores de creches do que homens do automobilismo. Foi decepcionante saber que nesta corrida o comissário adjunto era o herói dinamarquês Tom Kristensen. Ele tem em seu currículo oito vitórias nas 24 Horas de Le Mans, uma corrida em que os riscos são milhares de vezes maiores que os da F1. Ao concordar com isso, ele foi na contramão de sua brilhante carreira.
Igualmente insuportável foi a passividade que eles mostraram em relação a Vettel quando ele abalroou Bruno Senna, ainda na primeira volta quando o pelotão chegava à curva da Descida do Lago. Vettel se atrasara por ter sido espremido por seu companheiro Mark Webber ao entrarem no S do Sessa. Na Reta Oposta, Paul di Resta e Senna se aproximaram de Vettel, que se postou no lado de fora na tomada da curva. De repente, ele mergulhou para a tangência como se estivesse sozinho. Mas Bruno já estava totalmente comprometido, havia acabado de superar o Force India na freada. Não havia nada que ele pudesse fazer, quem podia ter feito alguma coisa era os comissários, que preferiram se fingir de mortos. Quem quiser rever a cena pode acessar o link:
http://www1.skysports.com/formula1/video/12870/8282348.
Mas quando penso em 2013, me parte o coração saber que lá não estará Kamui Kobayashi. Em seu lugar, o jovem mexicano Esteban Gutierrez, que mostrou na GP2 bom potencial. Ele foi o terceiro colocado em seu segundo ano na categoria, mas ainda está longe da maturidade mínima para a F1. Nem mesmo ele, e muito menos a Sauber, contesta sua imaturidade, mas nestes dias em que um piloto é escolhido não pela sua competitividade e sim pelo tamanho do cheque que o acompanha, os Kobayashi da vida ficam pelo caminho.
Não, não culpo Gutierrez nem as equipes por esta situação. Os custos da F1 cresceram desmesuradamente quando a categoria era alimentada pelas grandes montadoras. Elas se foram, os custos ficaram. E precisam ser cobertos. Caterham, Marussia e HRT estão aí para mostrar como é difícil a vida de quem não tem dinheiro na F1. Em três anos, as três nanicas não marcaram nenhum pontinho que fosse. Nadica de nada. A HRT vai fechar as portas por estes dias; a Caterham e a Marussia promovem leilões. Como, aliás, já começam a fazer algumas equipes maiores.
É exatamente aí que repousam as esperanças de mais dois brasileiros. Falo de Bruno Senna e Luiz Razia, claro. Como vários outros candidatos, ele têm de levar os dólares de seus patrocinadores se quiserem correr. E são forçados a aceitarem cláusulas que só vão prejudica-los. Como a que a hoje nada elogiável Williams impôs a Senna, pela qual ele teve de ceder seu carro para o finlandês Valteri Bottas no primeiro treino das sextas-feiras em quase todas corridas em circuitos permanentes.
Pensando bem, este 2012 foi excelente, excepcional, mas também teve seu lado podre. Bem podre.
Que venha 2013. E que ele seja tão bom nas pistas e menos sórdido nos escritórios do que foi neste ano.
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