* Por Lívio Oricchio
Jenson Button
Sábado do GP do Brasil tive uma boa conversa com Jenson Button. Longa para os padrões da Fórmula 1, cerca de meia hora. Estava com meu amigo catalão Jose Viaplana. Não teve o carácter de entrevista, embora fosse. Este ano não havia tido, ainda, um encontro desse tipo com Jenson, sempre gentil. Mora em Mônaco e como sabe que resido em Nice, do lado, às vezes me conta o que fez em determinado período por lá.
Solicitei a ele para me explicar, agora de cabeça mais fria, como entender a fase vivida entre o GP de Bahrein, quarto do calendário, e o da Grã-Bretanha, nono, em que somou apenas sete pontos, enquanto Lewis Hamilton, com a mesma McLaren, 47.
Button me disse: “Nós nos perdemos com relação aos pneus. Não atingia a temperatura recomendada e um carro escorregadio é como um veneno para o meu estilo de pilotar. Lewis consegue tirar mais do carro nessas condições. Fizemos vários testes para ver se conseguíamos retomar o bom ritmo das primeiras provas, mas nos perdíamos cada vez mais. Foi só em Hockenheim (GP seguinte ao de Silverstone) que estreamos uma nova versão do MP4/27, concebido para aproveitar melhor os pneus, que retomei meu ritmo normal. A partir daí voltei a pilotar como antes, retomei a confiança no carro e, claro, em mim. Foi a minha pior experiência na Fórmula 1.”
Button teve um ótimo início de temporada, ao vencer a etapa de abertura, em Melbourne, e um ótimo fim, com vitórias na Bélgica e no Brasil. Mas, como ele mesmo destacou, passou pelo mais difícil período na competição entre meados de abril e de julho. A versatilidade conta muitos pontos na Fórmula 1. Button é brilhante quando dispõe de um monoposto veloz e neutro. É capaz de lutar pelo título. Mas qualquer perturbação maior no comportamento do carro o atinge bem mais que a Hamilton, por exemplo. Para produzir como um campeão em potencial Button precisa dispor das condições ideais e, na Fórmula 1, são raras. Em 2009, com o duplo difusor da Brawn GP, ilegal inequivocamente, e aceito por Max Mosley por razões políticas, Button ganhou o campeonato com méritos. Mas quando viu que em 2010 não iria dispor na pequena Brawn GP de nenhum recurso técnico exclusivo capaz de fazer a diferença em relação à concorrência, trocou o time, que passaria se chamar Mercedes, pela McLaren.
“Não teve nada a ver com dinheiro, como disseram, mas por saber que a Brawn GP para ser grande demoraria um tempo. Suas instalações não podiam ser comparadas com a da McLaren, por exemplo”, disse Button. Desde que a Mercedes assumiu a escuderia, no fim de 2009, investiu pesado e hoje a organização dispõe de boa infra-estrutura.
Pelo importante trabalho no início e no encerramento da temporada, mas pela fraca adaptação às novas condições impostas pelos pneus Pirelli, no meio, Button fica com a nota 8.
Mark Webber
Eu perguntei a Mark Webber em Montreal, na quinta-feira do fim semana do GP: você disse que o carro deste ano não é estável como o do ano passado. Mas hoje você tem os mesmos pontos de Sebastian Vettel (companheiro de Red Bull), enquanto em 2012 encontrava-se bem distante dele. Antes do GP do Canadá estavam empatados na segunda colocação, com 73 pontos.
“Verdade. Mas apesar de menos equilibrado as reações do carro têm mais a ver com o que aprendi até hoje no automobilismo. No modelo de 2011, por conta do escapamento aerodinâmico, seu comportamento nas freadas era único, diferente do que fiz até hoje. Sebastian soube explorar essa novidade, principalmente nas freadas, e realizou um trabalho melhor que o meu. Este ano está sendo diferente, vejo nas reuniões que tenho um controle da situação que não possuía em 2012.”
Webber ganhou duas corridas, Mônaco e Silverstone, suas especialidades, diga-se, ao passo que no ano passado apenas o GP do Brasil e, mesmo assim, com uma pane duvidosa no câmbio de Vettel.
O australiano, no entanto, sumiu quando a nova versão do RB8 da Red Bull estreou em Cingapura. “Perfeito para o meu estilo”, disse Vettel. Pelo visto, desastroso para os interesses de Webber. Entre Cingapura e Brasil, sete etapas, Vettel somou 141 pontos. Webber, 47.
A Red Bull não oferece equipamentos distintos. Essa diferença impressionante se explica, em essência, com os pilotos. Como Button, Webber necessita da combinação bastante favorável de fatores para responder com o máximo. Vettel também não é imune à questão, mas ressente-se bem menos e, se forem mudanças favoráveis, como a nova versão do carro, explora como ninguém.
Webber ganha nota 7 pela temporada.
Felipe Massa
Daqui a alguns anos, quando Massa deixar a Fórmula 1, será lembrado por uma série de razões, mas uma em especial deverá se sobressair: o piloto capaz de reverter condições bastante adversas. Foi assim, de novo, este ano, como em 2008, em que depois de errar na Austrália e na Malásia, já diziam que perderia a vaga na Ferrari. Naquele mesmo ano só não foi campeão porque Hamilton ultrapassou Glock na Junção, em Interlagos, 1.200 metros antes de o campeonato acabar.
Nesta temporada, até a corrida de Barcelona, Massa não conseguia pilotar o F2002. Vi isso de perto, no meio dos circuitos. Digladiava com o carro. Queria ser rápido, freava lá dentro das curvas e, claro, tornava-se ainda mais lento. Saía do cockpit sem entender nada. Nessas cinco etapas, a melhor colocação de largada foi o 12.º lugar na Malásia e na China. Somou apenas 2 pontos, do nono lugar em Bahrein. Já Fernando Alonso, o parceiro, a não ser na Austrália, 12.º no grid, nas demais quatro provas esteve entre os 10 melhores no grid, sendo que na Espanha largou em segundo. Alonso somou 61 pontos, ou 59 a mais de Massa. É para dar um nó na cabeça de qualquer piloto. E deu.
Sem nenhuma pretensão, por favor, mas já no ano passado em conversa informal com a esposa de Massa, Rafaela, comentei que não seria pecado procurar ajuda profissional. Submeter o marido a sessões de psicoterapia. Ficar regularmente atrás do companheiro leva um piloto a perder a autoconfiança. Era como eu via o caso. Stefano Domenicali, diretor da Ferrari, também, conforme me disse, no ano passado, em Montreal.
Massa começou o ano com o dedo na tomada de 220 volts. Nosso primeiro contato foi em Madonna di Campiglio, nos Alpes italianos. Massa era outro homem. Esbanjava autoconfiança. Almoçamos e jantamos juntos todos os dias lá na Itália, nos mesmos restaurantes, conversávamos. Refiro-me ao pequeno grupo de jornalistas brasileiros presente.
Na corrida de kart sobre o lago gelado, Massa venceu. Na festa de despedida do evento, naquele mesmo dia, à noite, perguntei se havia procurado ajuda profissional. Estava absolutamente claro para mim que sim. Massa evitou responder de forma direta, como se fosse uma demonstração de fraqueza. Pelo contrário!
Escrevo tudo isso para mostrar que foi com esse estado de espírito renovado que Massa se apresentou para os testes de inverno e depois a abertura do Mundial, em Melbourne. Tinha certeza de que depois de dois anos andando quase sempre atrás de Alonso finalmente poderia desafiá-lo. E o que aconteceu? O carro era um desastre. Para seu estilo que explora muito bem modelos equilibrados, o F2012 do início da temporada o punia severamente.
Dá para ver que tudo funcionou ao contrário do que imaginava em função da superpreparação que fez para este ano? Em vez de eventualmente classificar-se e terminar as corridas na frente do parceiro de Ferrari, Massa passou a registrar as maiores diferenças entre ambos.
As coisas começaram a mudar em Mônaco, sexta etapa do calendário. No S da Piscina, atrás do guardrail, detectei um Massa ferido. Para contornar aquela seção como fazia era preciso, necessariamente, elevada autoconfiança. Fiquei feliz por ele. Sua expressão, depois da classificação, era outra. Obteve o sétimo tempo. Alonso, o quinto. E recebeu a bandeirada em sexto, diante do terceiro lugar do espanhol. Atrás, ainda, sim, mas bem mais próximo.
Planejei redigir uma reportagem sobre a forma distinta com que Massa passou a acertar sua Ferrari, amolecendo mais a traseira, ou sem deixar uma diferença grande de carga entre as suspensões dianteira e traseira. Esperei acabar a entrevista coletiva depois do sábado, em Mônaco, e lhe fiz uma pergunta específica sobre o tema. Começou a responder e veio logo a assessora de imprensa lembrando-o de um compromisso. Fiquei sem a resposta.
Tentei o mesmo depois da classificação, em Montreal, a etapa seguinte. Havia até estudado como ilustrar a reportagem, com desenho do italiano Giorgio Piola. Mais uma vez fiz a pergunta na coletiva depois da tomada de tempo, no sábado, e a assessora da Ferrari o tirou de onde estávamos para conduzi-lo até o reservado da equipe. Ocorre que no circuito Gilles Villeneuve a imprensa pode ocupar o mesmo espaço a céu aberto da equipe. Almoçamos nas mesas ao lado das reservadas para as escuderias.
Massa se preparava para comer, bem como nós, que deixamos a coletiva. Nesse momento, chegaram Luis Roberto, locutor da Globo, e Reginaldo Leme, obviamente vocês conhecem. São meus amigos de mais de duas décadas. Nada contra os dois, por favor. Mas Massa os viu, se abraçaram, como de costume, se beijaram, também como de hábito, e começaram a conversar. Eu estava próximo, já saboreando a minha pasta e vi como os três trocavam as ideias sobre o treino.
Não havia restrição de nenhuma natureza. Podiam ficar o tempo que desejassem, abordar o tema que bem entendessem. As regras para eles eram outras. A ponto de não precisarem ir à coletiva, destinada aos demais jornalistas. Obtiveram de Massa todas as informações que desejavam e as que o próprio piloto lhe contou sem cerimônia alguma. Como sempre acontece. O mesmo vale, obviamente, quando o locutor é Galvão Bueno, outra pessoa querida.
Uma coisa é a relação entre Massa e a Globo. Outra, bem diferente, é a mantida conosco, o demais jornalistas que cobrem o evento.
Tudo isso não interfere em nada na minha análise da temporada que começou para Massa a partir de Mônaco. Apenas vejo tudo isso como uma demonstração de pobreza de espírito. Os acordos que se estabelecem entre os pilotos brasileiros e a detentora dos direitos de TV no País deformam as relações, profissionais e pessoais. Os interesses que as regem envolvem valores econômicos tão altos que todo o restante se torna pequeno. Ou melhor, desprezível.
Na retomada de sua autoconfiança e o melhor aproveitamento da notável evolução do modelo F2012 da Ferrari Massa ainda teria dois escorregões: logo no início da corrida de Montreal, quando errou sozinho e desperdiçou a chance de um pódio, e na fraca performance no GP da Alemanha, em que Alonso largou na pole e venceu, enquanto Massa foi o 13.º no grid e terminou a prova em 12.º. Nessa altura, ouvi de todos os lados, dentro da Fórmula 1, que a Ferrari não renovaria seu contrato.
Se você tiver uma tabela etapa a etapa do campeonato, veja o que Massa fez a partir do GP seguinte, Hungria: marcou pontos em todos, até chegar no Brasil: dez vezes seguidas dentre os dez primeiros. Pouco? Analisando isoladamente, apenas dois pódios, segundo em Suzuka e terceiro em Interlagos, de fato não é muito. Mas se confrontarmos com o que havia feito até Barcelona ou mesmo até Hockenheim, esse resgate pessoal tem enorme significado. É a tal da superação que citei no começo partindo do fundo do poço. Trata-se de algo raro na Fórmula 1 e bastante difícil de se conseguir. E é a especialidade de Massa.
Nas provas finais, este ano, não apenas se equiparou a Alonso como andou na sua frente, o que atesta o quanto cresceu consigo próprio e quanto a Ferrari evoluiu o F2012.
Se a Ferrari produzir um bom monoposto para 2013, como penso ser possível, por o regulamento ser basicamente o mesmo deste ano, Massa poderá ficar na frente de Alonso mais vezes que este ano. O espanhol é um piloto mais completo, mas não sabe lidar com companheiros que o desafiem. Na McLaren, perdeu-se emocionalmente. O tempo passou e Alonso amadureceu. Mas se nesse aspecto não avançou tanto – não sabemos -, Massa pode tirar proveito.
Por sair lá de baixo e posicionar-se na frente de Alonso no fim da temporada, Massa ganha nota 8.
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