* Por Lívio Oricchio
Li no site da revista Autosport reportagem com Ross Brawn, diretor técnico da Mercedes, lamentando o fato de Red Bull, Ferrari, Sauber e Toro Rosso terem abandonado a Formula One Teams Association (Fota).
Eu e boa parte dos profissionais que cobrem o evento já estamos surpresos com o longo tempo de existência da Fota. A entidade surgiu única e exclusivamente para enfrentar não Bernie Ecclestone e a sua Formula One Management (FOM), mas Max Mosley, o presidente da FIA na época, junho de 2009.
Mosley impôs da sua cabeça um limite orçamentário de 40 milhões de libras (50 milhões de euros) por temporada por equipe, ou um quinto do que gastavam as principais. Diante da inviabilidade de seguir a regra e da forma autoritária com que passou a comandar a Fórmula 1, reforçado pelo seu envolvimento no escândalo sadomasoquista, as lideranças das escuderias se uniram e criaram a Fota.
Basicamente a nova entidade lançaria seu próprio campeonato. A não ser que a FIA revogasse o limite orçamentário e Mosley não concorresse à releição, quatro meses mais tarde. Ecclestone trabalhou para conciliar os interesses de todos e a ameaça real de uma competição sem a FIA e a própria FOM, de Ecclestone, com todos as ações jurídicas que surgiriam, foram deixadas de lado. Ah, o mais importante: Mosley fora do caminho. Teria apenas mais quatro meses de mandato.
Desde que a Fórmula 1 existe nunca houve unanimidade seja lá a respeito do que for dentre os participantes. Coube à Fota inaugurar essa fase surpreendente na trajetória da competição. Mas, como se esperava, a alegria até que foi longe demais. Dia 2 de dezembro do ano passado, pouco mais de dois anos depois da criação da Fota, a equipe italiana anunciou seu desligamento da entidade, seguida pela Red Bull, Toro Rosso e Sauber. A Toro Rosso segue as orientações da irmã maior, Red Bull, e a Sauber a da Ferrari, conforme acordo que envolve o fornecimento de motores e transmissão para os suíços.
A razão alegada é a desunião, as discordâncias quanto à observação do Resource Restriction Agreement (RRA), o acordo que estabelece as limitações de investimento dos times, de forma a impedir que seu orçamento supere os 200 milhões de euros por temporada. Na reportagem da Autosport, Brawn diz que as escuderias desistentes podem vir a se arrepender do desligamento.
Tomara, mas parece pouco provável. A esta altura, Ferrari e Red Bull já negociam, em separado, um acordo com Ecclestone para estender o Acordo da Concordia que termina no fim do ano. Em 2007, todas equipes assinaram a extensão do Acordo por cinco anos e esse prazo está terminando agora.
Um dos princípios básicos da Fota era que Ecclestone concordasse com um menu de exigências para estender o Acordo. Todas altamente procedentes, como uma completa revisão de como o Mundial é levado ao público. A maior aproximação tornou-se essencial para a Fórmula 1 e nesse processo a internet teria função preponderante. Ecclestone precisa vencer seu conservadorismo, o mundo mudou, apregoavam os líderes da Fota.
Mas como não mais existe unanimidade, na realidade quase não mais existe Fota, de novo ficou muito mais fácil para Ecclestone negociar. E aqueles pontos que quando a Fota estava unida eram tidos como questão fechada para estender o Acordo da Concordia foram para o espaço. Infelizmente. Estou esperando para um futuro breve o anúncio de que Ferrari e Red Bull já assinaram com a FOM a extensão do Acordo por mais cinco anos.
Por contrato não vão dizer quanto receberam de luvas. Já o valor a lhes ser pago por ano dependerá da classificação no Mundial de Construtores no campeonato anterior. O que é certo é que do total arrecadado pela FOM, cuja principal fonte de receita é a venda dos direitos de TV e a chamada taxa do promotor, valor pago pelos organizadores de GP por evento à FOM, uma porcentagem maior ficará, agora, com as equipes. Deverá crescer de pouco mais de 50% para 70%.
Ainda que tudo seja segredo, sabe-se que a Red Bull, campeã do Mundial de Construtores em 2011, recebeu da FOM algo como 100 milhões de euros. Como tem verba de patrocínio estimada em cerca de 20 milhões de euros, a empresa austríaca, mesmo vencendo tudo, desembolsou só na equipe, sem mencionar o muito que investe em promoção, mais de 80 milhões de euros. Não faz mesmo sentido esse formato da Fórmula 1. Mesmo o mais capaz, o supercampeão, em vez de capitalizar tem, ainda, de injetar dinheiro. É um princípio equivocado e perigoso nos dias de hoje. Mas esse é outro discurso.
No rastro de Ferrari e Red Bull anunciarem logo mais a extensão do Acordo da Concórdia, as demais provavelmente vão negociar com Ecclestone e até a metade do campeonato o Acordo deverá estar totalmente definido. Será surpreendente se for distinto.
Vou aproveitar o gancho da declaração de Brawn sobre a falta de união das equipes para lembrar, mais uma vez, a importância histórica de Ecclestone para a Fórmula 1. Começou cobrando 2% do valor pago pelos promotores de GP às equipes para organizar e baratear o transporte dos equipamentos para as corridas, ainda em 1971, nos seus primeiros trabalhos para a Fórmula 1, quando nem a Formula One Constructor Association (Foca) existia. Logo em seguida elevou exponencialmente essas taxas pagas pelos promotores e até hoje não param se subir. Recomendo a leitura do livro “Não sou um anjo” que retrata a trajetória de Ecclestone.
Hoje, nem as equipes sabem, com precisão, quanto esse tenaz e ambicioso senhor ganha. Têm certeza, contudo, que a parte do leão é sua e dos proprietários da Fórmula 1, o grupo de investimento CVC. Ecclestone, até onde se sabe, tem atualmente apenas uma porcentagem pequena de participação, mas é o diretor executivo do negócio e compartilha dos lucros ativamente.
Quase tudo o que se diz a seu respeito quanto a pensar apenas em si parece proceder. Mas dá para ver que sem a sua liderança forte, sem a sua mão de ferro, sem até mesmo o autoritarismo, necessário em algumas ocasições extremas, a Fórmula 1 não seria nem a sombra do que é? A falta de unanimidade dentre os participantes é histórica. O cisão na Fota, agora, apenas reforça o que os mais de 60 anos da competição evidenciam a todo instante. Provavelmente a Fórmula 1 nem atingiria seus 62 anos de vida sem uma condução austera.
Como Ecclestone tem 81 anos, preocupa, sim, e muito, como será a manutenção do evento quando ele o deixar. Se for na mãos dos representantes das escuderias a Fórmula 1 pode até acabar e rápido, tal o canibalismo existente. Cada um enxerga apenas os seus interesses. Será preciso a criação de uma organização independente, com representação das equipes, claro, mas soberana. E até mesmo a definição de como será essa organização, suas atribuições, seus poderes, o estatuto, vai gerar uma luta onde ficará clara a ausência de desprendimento dos participantes e principal motivo de tanta desunião. Banzai (vida longa), Ecclestone!
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