quarta-feira, 29 de maio de 2013
Kanaan e o oportunismo do brasileiro*
* Por Hugo Becker
Provavelmente, tudo o que havia para ser dito sobre a incrível vitória de Tony Kanaan nas 500 Milhas de Indianápolis, no último domingo (26), já foi dito. Mas gostaria de falar mais um pouco sobre, partindo de uma outra ótica.
O triunfo do brasileiro foi muito celebrado, no Brasil, por ele ser brasileiro, "um dos nossos calando a boca dos gringos".
Claro, é um direito e é justo torcer por seu compatriota. Faz parte do show.
Naquela tarde, após as últimas voltas e a bandeirada final – sem as imagens da comemoração de Tony, devidamente cortadas pela transmissão pífia da Band, rainha do antimarketing de um dos seus mais valiosos produtos –, a Indy atraiu, nas redes sociais e nos sites especializados, uma audiência que há tempos não se via por estas bandas.
Era a audiência do público médio, que na maior parte do tempo não dá a mínima para a categoria, até subestima a capacidade dos pilotos que lá estão e a qualidade das corridas que lá ocorrem. Procuravam a emocionante repercussão da "vitória do brasileiro em Indianápolis" – três palavrinhas mágicas para o brasilino de plantão.
Nada contra. É aceitável que se comemore o triunfo de um local. Isso ocorre em todos os países com representantes de alto nível em diversos esportes mundo afora. É claro que é um orgulho. Mas no Brasil, até este tipo de orgulho é distorcido e oportunista.
É preciso compreender o fato de que em outras nações com esportistas vencedores, há, quase sempre, um conhecimento da maior parte do público pela categoria em questão. Há, portanto, o entendimento de parte da história, dos contextos do presente e do real mérito da vitória ou da derrota. A celebração do triunfo de um local, neste caso, é muito mais consciente. Não é um oba-oba raso e infantil. É a concepção e a noção de um cenário que levou a uma vitória merecida ou não, a uma derrota justa ou não.
Mas no Brasil, qualquer vencedor de qualquer esporte recebe loas imediatas, celebrações entusiasmadas, pompas, glórias e fru-frus, vira ídolo instantâneo, guerreiro, gente como a gente, sangue tupiniquim, capa de revista. Aí a página vira em questão de semanas – às vezes, até dias – e o assunto seguinte ofusca a glória suprema do 'nosso irmão de pátria'. Ai dele, aliás, se não ganhar a competição seguinte. Vira um fracassado completo.
Este tipo de audiência extra saiu atrás de notícias e imagens da glória máxima do 'nosso' Kanaan no domingo passado. Ao contrário dos que realmente gostam da Indy – e não são poucos –, eles não conhecem as incríveis histórias de caras como James Hinchcliffe e Carlos Muñoz, duas enormes promessas. Não conhecem a importância da Penske, da Ganassi e da Andretti na categoria. Não fazem a menor ideia de que a KV é um time de médio pra pequeno, com chances raríssimas de vencer.
Eles conhecem Tony e Helio Castroneves. Com sorte, Bia Figueiredo. E só.
Essa alienação, em boa parte, é culpa das emissoras responsáveis pela transmissão e divulgação de eventos como Indy e F1. As edições e narrações insuflam o pachequismo na mente do brasileiro médio, criam expectativas baseadas em fatos que inexistem e descem a lenha quando a glória não vem. O mesmo acontece com o futebol da seleção brasileira, para ficar em outro exemplo bastante conhecido mas que a maioria ignora.
No Brasil, a chance de vermos arquibancadas lotadas comemorando – sim, comemorando – a vitória de um não-brasileiro em uma corrida internacional é nula. Absolutamente nula. No máximo, meia dúzia de gatos pingados comemoraram, de fato, a vitória de Hinchcliffe na SP Indy 300. Provavelmente sob a reprovação dos genuínos brasilinos.
Mas em Indianápolis, templo sagrado do automobilismo mundial, aquela imensidão de pessoas que tomou por completo o circuito simplesmente urrou de alegria quando Kanaan ultrapassou Ryan Hunter-Reay e assumiu a liderança da prova. Gritou mais ainda quando Franchitti, em seguida, arrebentou seu carro no muro da curva 1. A volta final, sob bandeira amarela, levou Tony às lágrimas antes mesmo de receber a quadriculada, por conta da espetacular euforia dos torcedores norte-americanos, europeus e latinos, com uma minoria absoluta de brasileiros.
Estes torcedores conhecem a categoria. Conhecem os pilotos, a história, os contextos, a trajetória. Idolatram TK e Helinho, como no passado veneraram caras como Alessandro Zanardi e Greg Moore, não pela nacionalidade, não pelo oportunismo nem pelo momento favorável, mas sim por reconhecerem o carisma desses pilotos, a luta de cada um deles para chegar ao topo, as derrotas mais duras, as sagas e as vitórias mais merecidas.
Isso é amar um esporte. Isso é desfrutar o esporte ao máximo, como um todo.
Foi por ver a Indy exatamente dessa maneira que eu fui, sim, às lágrimas, quando Tony recebeu a bandeira quadriculada e levou, enfim, sua primeira Indy 500, depois de tantos anos de azares, absurdos, sofrimentos e frustrações por lá. O cara mereceu demais, acima da cor da bandeira da terra onde nasceu.
Na minha emoção, sua nacionalidade não pesou em nenhum momento. E não deve jamais pesar. Não neste caso. A vitória é dele, não 'nossa'. Nada, na vida, é nosso. Nossa única posse somos nós mesmos, e na maior parte do tempo, fazemos mau uso disso. De quebra, há quem queira se apropriar da vitória dos outros, apenas por serem compatriotas.
Patriotismo, meus caros, é outra coisa. E isso, além de noção, o brasilino não tem.
Provavelmente, tudo o que havia para ser dito sobre a incrível vitória de Tony Kanaan nas 500 Milhas de Indianápolis, no último domingo (26), já foi dito. Mas gostaria de falar mais um pouco sobre, partindo de uma outra ótica.
O triunfo do brasileiro foi muito celebrado, no Brasil, por ele ser brasileiro, "um dos nossos calando a boca dos gringos".
Claro, é um direito e é justo torcer por seu compatriota. Faz parte do show.
Naquela tarde, após as últimas voltas e a bandeirada final – sem as imagens da comemoração de Tony, devidamente cortadas pela transmissão pífia da Band, rainha do antimarketing de um dos seus mais valiosos produtos –, a Indy atraiu, nas redes sociais e nos sites especializados, uma audiência que há tempos não se via por estas bandas.
Era a audiência do público médio, que na maior parte do tempo não dá a mínima para a categoria, até subestima a capacidade dos pilotos que lá estão e a qualidade das corridas que lá ocorrem. Procuravam a emocionante repercussão da "vitória do brasileiro em Indianápolis" – três palavrinhas mágicas para o brasilino de plantão.
Nada contra. É aceitável que se comemore o triunfo de um local. Isso ocorre em todos os países com representantes de alto nível em diversos esportes mundo afora. É claro que é um orgulho. Mas no Brasil, até este tipo de orgulho é distorcido e oportunista.
É preciso compreender o fato de que em outras nações com esportistas vencedores, há, quase sempre, um conhecimento da maior parte do público pela categoria em questão. Há, portanto, o entendimento de parte da história, dos contextos do presente e do real mérito da vitória ou da derrota. A celebração do triunfo de um local, neste caso, é muito mais consciente. Não é um oba-oba raso e infantil. É a concepção e a noção de um cenário que levou a uma vitória merecida ou não, a uma derrota justa ou não.
Mas no Brasil, qualquer vencedor de qualquer esporte recebe loas imediatas, celebrações entusiasmadas, pompas, glórias e fru-frus, vira ídolo instantâneo, guerreiro, gente como a gente, sangue tupiniquim, capa de revista. Aí a página vira em questão de semanas – às vezes, até dias – e o assunto seguinte ofusca a glória suprema do 'nosso irmão de pátria'. Ai dele, aliás, se não ganhar a competição seguinte. Vira um fracassado completo.
Este tipo de audiência extra saiu atrás de notícias e imagens da glória máxima do 'nosso' Kanaan no domingo passado. Ao contrário dos que realmente gostam da Indy – e não são poucos –, eles não conhecem as incríveis histórias de caras como James Hinchcliffe e Carlos Muñoz, duas enormes promessas. Não conhecem a importância da Penske, da Ganassi e da Andretti na categoria. Não fazem a menor ideia de que a KV é um time de médio pra pequeno, com chances raríssimas de vencer.
Eles conhecem Tony e Helio Castroneves. Com sorte, Bia Figueiredo. E só.
Essa alienação, em boa parte, é culpa das emissoras responsáveis pela transmissão e divulgação de eventos como Indy e F1. As edições e narrações insuflam o pachequismo na mente do brasileiro médio, criam expectativas baseadas em fatos que inexistem e descem a lenha quando a glória não vem. O mesmo acontece com o futebol da seleção brasileira, para ficar em outro exemplo bastante conhecido mas que a maioria ignora.
No Brasil, a chance de vermos arquibancadas lotadas comemorando – sim, comemorando – a vitória de um não-brasileiro em uma corrida internacional é nula. Absolutamente nula. No máximo, meia dúzia de gatos pingados comemoraram, de fato, a vitória de Hinchcliffe na SP Indy 300. Provavelmente sob a reprovação dos genuínos brasilinos.
Mas em Indianápolis, templo sagrado do automobilismo mundial, aquela imensidão de pessoas que tomou por completo o circuito simplesmente urrou de alegria quando Kanaan ultrapassou Ryan Hunter-Reay e assumiu a liderança da prova. Gritou mais ainda quando Franchitti, em seguida, arrebentou seu carro no muro da curva 1. A volta final, sob bandeira amarela, levou Tony às lágrimas antes mesmo de receber a quadriculada, por conta da espetacular euforia dos torcedores norte-americanos, europeus e latinos, com uma minoria absoluta de brasileiros.
Estes torcedores conhecem a categoria. Conhecem os pilotos, a história, os contextos, a trajetória. Idolatram TK e Helinho, como no passado veneraram caras como Alessandro Zanardi e Greg Moore, não pela nacionalidade, não pelo oportunismo nem pelo momento favorável, mas sim por reconhecerem o carisma desses pilotos, a luta de cada um deles para chegar ao topo, as derrotas mais duras, as sagas e as vitórias mais merecidas.
Isso é amar um esporte. Isso é desfrutar o esporte ao máximo, como um todo.
Foi por ver a Indy exatamente dessa maneira que eu fui, sim, às lágrimas, quando Tony recebeu a bandeira quadriculada e levou, enfim, sua primeira Indy 500, depois de tantos anos de azares, absurdos, sofrimentos e frustrações por lá. O cara mereceu demais, acima da cor da bandeira da terra onde nasceu.
Na minha emoção, sua nacionalidade não pesou em nenhum momento. E não deve jamais pesar. Não neste caso. A vitória é dele, não 'nossa'. Nada, na vida, é nosso. Nossa única posse somos nós mesmos, e na maior parte do tempo, fazemos mau uso disso. De quebra, há quem queira se apropriar da vitória dos outros, apenas por serem compatriotas.
Patriotismo, meus caros, é outra coisa. E isso, além de noção, o brasilino não tem.
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