sexta-feira, 19 de outubro de 2012

POR QUE A FERRARI PRECISA SE EXPLICAR?

* Por Leonardo Felix


Como bem observado pelo colega Lucas Santochi na análise de rodapé da matéria sobre o comunicado publicado nesta quinta pela Ferrari, que justifica a renovação de contrato com Felipe Massa, o teor do texto da assessoria de imprensa de Maranello deixa aquela pulga incomodando atrás da orelha.

Primeiro, o time fez questão de frisar que a decisão foi “cuidadosamente pensada”, para em seguida mencionar que “não foi por falta de alternativas e nem seguiu o desejo de seu companheiro de equipe”, que no caso é Fernando Alonso. “A Ferrari escolhe seus próprios pilotos”, garantiu o time.

Depois o texto enfatizou que “muita gente bateu nas portas de Maranello” almejando a vaga do brasileiro, mas que Felipe é a melhor opção para mostrar velocidade hic et nunc (expressão em latim que pode significar “imediatamente”).

Aí veio o encerramento, com brados em prol das qualidades de Massa, da harmonia que reina na equipe e da solidariedade para com os membros da “família” em momentos difíceis, blandícias já manjadas sobre como a Scuderia tem o ambiente mais justo e afável de toda a Via Láctea.

A grande questão aqui é pensar por que a Ferrari, uma marca que quase sempre se colocou acima de tudo e todos na F1 e nunca se deu ao trabalho de justificar nada – nem os polêmicos jogos de equipe dos GPs da Áustria de 2002 e Alemanha de 2010, por exemplo – fez tanta questão de se explicar neste momento.

Esta é uma pergunta com mais de uma resposta, embora todas estejam interligadas. A primeira delas envolve o próprio Massa e sua atribulada relação com a imprensa italiana, que não mediu esforços para pedir sua cabeça antes mesmo do fim da atual temporada.

Felipe jamais foi bem aceito pela mídia italiana. Sua ascensão ao posto de titular do time, em 2006, foi vista com maus olhos e, desde então, qualquer demonstração de fraqueza de sua parte virava motivo para críticas deletérias. Foi assim na primeira metade de 2006, após as duas etapas iniciais de 2008 e durante todo este ano.

Sabido isto, fica claro como o comunicado da Ferrari acabou sendo um recado implícito à própria imprensa italiana, uma espécie de “olha, queridos, eu sei que vocês querem a decapitação do menino, mas vejam o que ele vem fazendo nas últimas etapas. Será que um Hulkenberg ou um Schumacher semi-idoso fariam diferente? Nós acreditamos que não e vocês não têm nada com isso”.

Mas há também a parte que menciona Alonso, com a impactante sentença “é a Ferrari quem escolhe seus próprios pilotos”. À primeira vista, trata-se de um claro contraponto às argumentações feitas não só pelos veículos da Itália, mas de todo o mundo, de que Massa só conseguiu garantir o fico porque é um companheiro que não incomoda o bicampeão espanhol, este comprovadamente muito sensível a colegas de time que possam vir a desafiá-lo.

Nesse prisma, mais uma vez somos forçados a relembrar que a Ferrari jamais ligou para isso: nunca se preocupou em explicar por que mantinha Eddie Irvine ou Rubens Barrichello como companheiros de Michael Schumacher, assim como também jamais havia se dado ao trabalho de esclarecer como exatamente funciona a relação de forças entre Alonso e Massa nos tempos atuais.

Muito pelo contrário, todos os membros da equipe sempre demonstraram todo o cuidado em reverenciar insistente e irritantemente o talento e o espírito de liderança do asturiano. Elogios epopéicos do presidente e textos com informações como “Fernando foi o primeiro a voltar para a fábrica após a prova” são com frequência registrados nos materiais de mídia de Maranello. Em contrapartida, o próprio piloto já chegou a afirmar que jantava com Luca di Montezemolo e Stefano Domenicali frequentemente e discutia os nomes de quem poderia ser o seu parceiro em 2013 com os dois.

O que mudou agora? Uma declaração dada por Nelson Piquet em 1994 pode ajudar a explicar. No programa Roda Viva da TV Cultura, o tricampeão brasileiro afirmou que nunca conseguiu aceitar uma oferta da Ferrari porque via o quanto o time italiano sobrepujava a importância de seus pilotos. “Se eu ganho com a Brabham, ‘ganhou o Piquet com a Brabham’. Se eu ganho com a Ferrari, ‘ganhou a Ferrari com Piquet’. Na Brabham eu sou o “Piquet”, enquanto na Ferrari sou desse tamanhico [fazendo sinal de pequenez com os dedos polegar e indicador]“, comparou.

Com Alonso, a lógica foi invertida. Conforme vários especialistas já avaliaram, nem Schumacher dispunha de tanto prestígio dentro da equipe. Tamanho poder deu ao bicampeão espanhol a tranquilidade para alfinetar explicitamente a equipe após o abandono no Japão e declarar que “o carro não era atualizado há seis GPs”, gerando mal estar entre os dirigentes. Mas quem seria capaz de desmenti-lo diretamente? As respostas vieram todas como alusões distantes, sem citar o nome do piloto ou mesmo falar um “a” contra sua postura.

É óbvio que Massa foi escolhido para satisfazer o ego e a eficiência do asturiano, piloto que necessita saber que o cara do outro lado da garagem não vai lhe causar dores de cabeça. E, convenhamos, Felipe jamais proporcionou isso ao espanhol. A fortiori, quando a Ferrari afirma veementemente que “é ela quem escolhe seus pilotos”, está apenas tentando indicar que ainda é maior do que qualquer outro ente, por mais que as evidências das últimas três temporadas mostrem que Alonso conseguiu quebrar tal paradigma.

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