terça-feira, 1 de maio de 2012
COMO A F1 TEVE SORTE NO BAHREIN*
* Por Dieter Rencken, do AUTOSPORT.com
Ao menos o GP do Bahrein veio e foi, e a F1 pode se concentrar no que faz de melhor – correr. Porém, antes das autoridades (e times) se gabarem por fazerem uma corrida de sucesso – do ponto de vista esportivo, a melhor prova já realizada no país desde a criação do grande prêmio, em 2004 –, elas fariam bem se agradecessem aos céus. O consenso no paddock é que a F1 escapou por pouco. De novo.
A categoria não tinha direito de correr na Coreia do Sul no final de 2010 em um circuito que, mesmo 18 meses depois, ainda não está nos padrões mínimos de qualidade, e também não tinha o direito de correr no Bahrein no último fim de semana. Os promotores do GP sul-coreano não estavam nem perto de prontos para receber um evento de nível internacional, enquanto que os do Bahrein despudoradamente politizaram o evento por meio do slogan “UniF1ed – One Nation in Celebration” (UniF1cado – Um País em Celebração), que todo mundo sabe que não apenas é mentiroso, como também que é uma propaganda política descarada.
Assim como a McLaren teria todo o direito de pedir reembolso completo da multa de US$ 100 milhões pelo “Spygate” depois de a FIA não seguir com o processo contra a Caterham por “copiar oportunisticamente” a propriedade intelectual da Force India, a Turquia teria o direito de exigir um reembolso de sua multa de US$ 2,5 milhões recebida em 2006. Na época, os governantes turcos escolheram Mehmet Ali Talat para entregar o troféu do vencedor, o apresentando como presidente do estado turco do Chipre, uma instituição só reconhecida pela Turquia.
Um porta-voz da FIA disse, na oportunidade: “neutralidade política é fundamental para o papel da FIA como entidade que governa o automobilismo internacional. Nenhuma violação dessa neutralidade é aceitável”.
Ao permitir que a corrida passada fosse realizada sob o slogan “UniF1ed” – e não há como ignorar a mensagem, considerando que ela estava em todo lugar já no aeroporto –, a FIA pode ser acusada de violar seus próprios estatutos, e pode-se questionar como seu Senado, constituído para “lidar com temas relacionados a gerenciamento e política geral da FIA que não pode ser coberto pelo Comitê ou seu Conselho Mundial”, vê o assunto.
É discutível se a corrida alcançou seu objetivo inicial (de uma perspectiva barenita), mas, do ponto de vista das notícias que surgiram no fim de semana é uma atrocidade, com virtualmente todas as informações destacando as divisões do reino.
John Yates, ex-chefe de contra-terrorismo do Reino Unido e indicado como conselheiro da polícia do Bahrein após um escândalo telefônico, escreveu para o The Telegraph que ele ficou “surpreso com o nível de críticas dirigidas a uma nação que reconhece seus problemas, mas tem planos para ajustar as coisas”.
Aí está o problema: a F1 não tem lugar no Bahrein até esses planos foram completamente implementados. O esporte não é um fazedor da paz e sugerir, com fez o diretor do circuito Zayed Alzayani, que outros países têm problemas similares é ingênuo: seus eventos não são patrocinados por governos com o específico propósito de apresentar ao mundo uma imagem respeitável a um regime opressivo.
Como o czar da F1 Bernie Ecclestone constantemente afirma, o GP da Grã-Bretanha não se beneficia de dinheiro público, portanto seu lugar na F1 está em perigo, e as comparações com a violência urbana do Brasil soa como puro desespero, já que o problema de segurança do País tem raízes no crime, não na política.
Bahrein contratou uma assessoria de comunicação internacional para melhorar a imagem, e se McLaren e Turquia podem se considerar merecedores de reembolso, também deveria o Bahrein. A empresa se mostrou incapaz de compreender que a F1 não dá importância se a culpa é de manifestantes ou da polícia, simplesmente que a ilha está em conflito civil e que por um fim de semana a F1 foi vista no meio disso.
Por que os relações públicas tiveram entrada permitida na sala de imprensa é difícil de entender, pois até fotógrafos têm dificuldades de entrar em algumas coletivas. Ainda assim, era fácil ver olhares enviesados e cochichos entre assessores entre os jornalistas.
Após a prova, um diretor de equipe disse que a mídia “politizou” a corrida, mas que isso seria tão exagerado quanto relatos de uma dúzia de carros blindados patrulhando o caminho de 30 km entre a capital Manama e o circuito. Se alguém politizou a corrida foram seus promotores. A mídia não cunhou o slogan “UniF1ed”.
Não esquema que, na sexta, o príncipe Salman Bin Hamad Al Khalifa, responsável por projetar o circuito, politizou a corrida dizendo “cancelar a corrida só fortalece os extramistas. Para os que querem encontrar uma saída para esse problema político, ter a corrida permite construir pontes entre comunidades e celebrar nossa nação com uma ideia de que é positivo não se dividir”. Isso certamente não saiu da imaginação dos jornalistas, como também os bonés vermelhos com o slogan UniF1ed que todos receberam após a prova.
A massiva presença de seguranças na corrida no Bahrein não ajudou a melhorar a imagem e jornalistas e membros de equipes ficaram nervosos durante todo o fim de semana. Incidentes separados envolveram dois times, um jornalista e até um membro antigo do estafe de Ecclestone só pioraram o clima, ainda que nenhuma pessoa da F1 tenha sido vítima direta de violência..
A atmosfera em torno do evento era mais de ansiedade do que de expectativa por um evento esportivo, um fato perceptível no semblante de todos no paddock. Onde o assunto mais corriqueiro é sobre degradação e tempo de voltas, em Sakhir se falava de problemas, ainda mais depois da confirmação da morte de um manifestante na noite de sexta.
“Acho que a corrida deveria continuar porque é realmente um evento muito grande para o país. É importante econômica e socialmente”, disse o príncipe durante uma coletiva. Ele deve ter ficado desapontado com relatos de hoteleiros em todo o país sobre a baixa taxa de ocupação e com as arquibancadas vazias (a principal tinha, no máximo, 60% de ocupação. As outras estiveram absolutamente vazias).
Onde, no passado, o aeroporto estava com capacidade total de quinta à segunda, no último fim de semana pareceu um deserto. O tradicional congestionamento, sobretudo na noite de domingo e manhã de segunda, foi marcante por sua ausência, assim como filas enormes na área de imigração. Neste ano, as formalidades do aeroporto foram rápidas, enquanto que sinais de “Atrasado” foram raridades, mesmo sem que tenha sido contratado mais pessoal para trabalhar. Tudo isso sugere que a corrida esteve longe de ser um ímã de turistas.
Sim, o exclusivo Paddock Club estava cheio, mas não de convidados. Fontes sugerem que os que requisitaram passes que normalmente custam US$ 4 mil pelo que há de melhor ouviam apenas uma pergunta: “Quanto você quer, senhor?”.
Após a corrida, quando perguntado sobre a falta de torcedores, Alzayani insistiu que a prova teve 27,8 mil espectadores, com quase 100 mil passando pelas catracas pelos três dias, a segunda melhor marca da história do GP do Bahrein. Ele ainda afirmou que o circuito tem capacidade de 34 mil pessoas – estranhamente, 5 mil a menos que divulgado em 2008 –, mas a matemática não fecha. Subtraindo o público oficial de domingo do total que ele afirma, o total seria 72,2 mil pagantes, o que daria uma média de 36,1 mil em média para sexta e sábado, 106% da capacidade do autódromo.
Quando confrontado com fotos de arquibancadas vazias, Alzayani repondeu agressivamente “barenitas não assistem corridas das arquibancadas, olham de telões atrás delas”. E por que alguém pagaria caro pelo ingresso nas arquibancadas para, depois, ver a prova na área de lojas? “Talvez os barenitas tenham muito dinheiro”, foi a resposta, ignorando o fato que as manifestações civis do país é causada, sobretudo, pela pobreza. Sem resposta ficou a pergunta de por que apenas em 2012 que os barenitas teriam preferido os telões e as lojas.
Assim que a cerimônia de pódio terminou e o circo da F1 começou a pensar na seção de testes em Mugello, no evento em que Jacques Villeneuve pilotará a Ferrari 126C de seu pai e os GPs de Espanha e Mônaco, o sentimento no centro de imprensa foi que o GP do Bahrein foi um sucesso esportivo – particularmente para Red Bull e Lotus – e um desastre em todos os outros aspectos, incluindo o político.
O mais preocupante foi o dano à imagem mundial da F1 depois de permitir ser explorada politicamente contra seus próprios estatutos. No processo, a F1 reforça a percepção global que não é nada além de um investimento que só pensa em fazer dinheiro para o dono majoritário de seus direitos comerciais, o consórcio CVC.
No final, a F1 não tem o que fazer no Bahrein, e desviou de balas por três dias seguidos. Por isso, deve agradecer de verdade e não ficar comemorando.
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