terça-feira, 18 de outubro de 2011
SOBRE MORTES E CORRIDAS*
* Por Flávio Gomes
Sempre que morre um piloto, em qualquer categoria, as discussões sobre segurança são reabertas, o que é mais do que saudável depois que a poeira baixa. Em muitas ocasiões os acidentes fatais levaram à adoção de medidas eficazes, seja nos carros, seja nas pistas. Foi assim em 1994 depois da batida de Senna em Imola. Os carros eram frágeis como cascas de ovo. Os cockpits foram reforçados, as rodas passaram a ser presas ao chassi por cabos de aço, nasceu o HANS, áreas de escape foram repensadas, a segurança aumentou.
Em outras, não se faz coisa nenhuma o e fica-se na retórica. Ou nos lamentos, nas promessas de criação de comissões, essas coisas que não resultam em nada.
Na Indy, as mortes têm sido mais frequentes do que em outras categorias. A lista que segue carece de confirmação, pode ser maior, porque estou me fiando apenas na memória. De 1990 para cá, de acordo com minha memória, se foram Jovy Marcelo (Indianápolis, oval), Gonzalo Rodriguez (Laguna Seca, misto), Greg Moore (Fontana, oval), Jeff Krosnoff (Toronto, rua), Paul Dana (Homestead, oval), Scott Brayton (Indianápolis, oval) e Tony Renna (Indianápolis, oval).
Os americanos não costumam caçar bruxas no automobilismo e as mortes são genericamente descritas como “fatalidade”. Às vezes são, mesmo. Automobilismo é esporte de risco, não é preciso ficar repisando esse clichê o tempo todo. O importante é aprender com os acidentes e tentar entender por que eles acontecem. E isso os americanos não têm feito.
A listinha acima mostra que não são só os ovais que matam, mas na maioria das vezes, sim. Krosnoff morreu porque a pista de Toronto tinha um poste ao largo, o que acontece em muitos circuitos urbanos. Para provas com monopostos, é algo que precisa ser revisto por causa da sempre perigosíssima possibilidade de decolagem quando toca roda com roda. Já Rodriguez capotou em Laguna Seca, num acidente nem tão impressionante, mas que lesionou sua coluna. Fatalidade? Sei lá.
Nos ovais, porém, o problema é só um e visível a olho nu: velocidade exagerada e carros demais andando muito próximos. Por mais que os americanos gostem desse tipo de competição, não há como negar que seus riscos são potencialmente maiores do que em circuitos que têm curvas e freadas. Num oval, é pé embaixo o tempo todo. Numa categoria como a Nascar, em que os carros são como tanques de guerra, esses riscos são um pouco menores. O piloto tem alguma proteção, o carro. Com monopostos, não dá. São mísseis prontos para decolar, incontroláveis, insanos, carregando pilotos desprotegidos.
Outro problema para o qual a Indy não pode mais fechar os olhos: a qualidade discutível de seus pilotos. Num oval, ninguém precisa ser muito bom para passar dos 350 km/h. Se o cara, ou a menina, tem peito, chega a essa velocidade. Não é muito difícil. Basta enfiar o pé. As doses de adrenalina no organismo se encarregam do resto. E essa velocidade é quase um suicídio em algumas circunstâncias. A 350 km/h, um piloto que perde o controle do carro ou é atingido por outro só se salva por sorte. Wheldon morreu, e foi pouco, diante do que poderia ter acontecido com 15 carros batendo e voando uns sobre os outros. Nesses acidentes múltiplos, a diferença entre morrer e não acontecer nada é questão de detalhe, apenas. De sorte.
A Indy abre suas portas para gente despreparada e inexperiente. É um risco grande demais colocar num carro que vai andar a mais de 300 km/h, velocidade quase constante, pilotos sem noção de vácuo, turbulência, distância. Eles se tornam armas mortais. Tenho lido algumas declarações de pilotos experientes, como Tony Kanaan, sobre o comportamento de seus pares nas pistas. Jody Scheckter pediu para o filho Tomas largar a categoria. Tomas admitiu que a Indy não é segura, em ovais. Nigel Mansell comentou que não há acidentes “pequenos” em ovais. O menor erro de qualquer piloto acaba causando uma catástrofe.
Há fatalidades imprevisíveis. Mas há outras anunciadas. Corridas de monopostos em ovais estão entre essas. Colocar 34 carros num oval curto de altíssima velocidade e enorme inclinação é quase uma insanidade. A Indy tem sua parcela de culpa pela morte de Wheldon. Os pilotos, que aceitam entrar nessas arenas suicidas, também.
Mas é um enorme paradoxo nisso tudo que estou escrevendo. Num primeiro momento, a vontade que dá é de dizer: proíbam as corridas em ovais. Só que, aí, me vêm à mente as imagens de Indianápolis, seus mais de 100 anos de história, as provas que vi lá, a festa do público, a solenidade em torno daquele evento mágico, suas lendas e histórias.
Como imaginar o mundo sem as 500 Milhas de Indianápolis? Ou sem a velocidade de Monza, sem a loucura da Eau Rouge, sem a insanidade de Monte Carlo?
Meu amigo André Forastieri, jornalista da área cultural sempre antenado em tudo, escreveu um belo artigo hoje, cujo título é “O sentido do automobilismo é a morte”. De fato, é difícil argumentar a favor de corridas de automóvel. Que sentido elas têm? Levam a quê? Qual o sentido que existe em arriscar o pescoço em círculos sabendo que a qualquer momento pode aparecer um muro no meio do caminho?
Nenhum. Mas o quê, mesmo, faz sentido nesta vida?
Quase nada, porque ela acaba, de um jeito ou de outro. O sentido da vida é aquele que cada um dá à sua. Quando estou no meu carrinho de corrida, um velho Lada soviético que não vai me levar a lugar algum, percebo algum sentido na vida, mesmo sem saber exatamente qual. Talvez seja: OK, vamos correr e tentar sobreviver. Isso faz sentido: sobreviver.
No meu velho Lada soviético de corrida, sobreviverei sempre. É um desafio simples que não demanda nenhuma dose enorme de valentia. A sobrevivência, para pilotos de verdade, é algo bem mais complexo que exige muito mais talento e coragem e é por isso, creio, que os admiramos tanto.
Admiramos os que enfrentam a morte com talento e coragem, acho que é isso. Embora isso também não faça grande sentido.
Sempre que morre um piloto, em qualquer categoria, as discussões sobre segurança são reabertas, o que é mais do que saudável depois que a poeira baixa. Em muitas ocasiões os acidentes fatais levaram à adoção de medidas eficazes, seja nos carros, seja nas pistas. Foi assim em 1994 depois da batida de Senna em Imola. Os carros eram frágeis como cascas de ovo. Os cockpits foram reforçados, as rodas passaram a ser presas ao chassi por cabos de aço, nasceu o HANS, áreas de escape foram repensadas, a segurança aumentou.
Em outras, não se faz coisa nenhuma o e fica-se na retórica. Ou nos lamentos, nas promessas de criação de comissões, essas coisas que não resultam em nada.
Na Indy, as mortes têm sido mais frequentes do que em outras categorias. A lista que segue carece de confirmação, pode ser maior, porque estou me fiando apenas na memória. De 1990 para cá, de acordo com minha memória, se foram Jovy Marcelo (Indianápolis, oval), Gonzalo Rodriguez (Laguna Seca, misto), Greg Moore (Fontana, oval), Jeff Krosnoff (Toronto, rua), Paul Dana (Homestead, oval), Scott Brayton (Indianápolis, oval) e Tony Renna (Indianápolis, oval).
Os americanos não costumam caçar bruxas no automobilismo e as mortes são genericamente descritas como “fatalidade”. Às vezes são, mesmo. Automobilismo é esporte de risco, não é preciso ficar repisando esse clichê o tempo todo. O importante é aprender com os acidentes e tentar entender por que eles acontecem. E isso os americanos não têm feito.
A listinha acima mostra que não são só os ovais que matam, mas na maioria das vezes, sim. Krosnoff morreu porque a pista de Toronto tinha um poste ao largo, o que acontece em muitos circuitos urbanos. Para provas com monopostos, é algo que precisa ser revisto por causa da sempre perigosíssima possibilidade de decolagem quando toca roda com roda. Já Rodriguez capotou em Laguna Seca, num acidente nem tão impressionante, mas que lesionou sua coluna. Fatalidade? Sei lá.
Nos ovais, porém, o problema é só um e visível a olho nu: velocidade exagerada e carros demais andando muito próximos. Por mais que os americanos gostem desse tipo de competição, não há como negar que seus riscos são potencialmente maiores do que em circuitos que têm curvas e freadas. Num oval, é pé embaixo o tempo todo. Numa categoria como a Nascar, em que os carros são como tanques de guerra, esses riscos são um pouco menores. O piloto tem alguma proteção, o carro. Com monopostos, não dá. São mísseis prontos para decolar, incontroláveis, insanos, carregando pilotos desprotegidos.
Outro problema para o qual a Indy não pode mais fechar os olhos: a qualidade discutível de seus pilotos. Num oval, ninguém precisa ser muito bom para passar dos 350 km/h. Se o cara, ou a menina, tem peito, chega a essa velocidade. Não é muito difícil. Basta enfiar o pé. As doses de adrenalina no organismo se encarregam do resto. E essa velocidade é quase um suicídio em algumas circunstâncias. A 350 km/h, um piloto que perde o controle do carro ou é atingido por outro só se salva por sorte. Wheldon morreu, e foi pouco, diante do que poderia ter acontecido com 15 carros batendo e voando uns sobre os outros. Nesses acidentes múltiplos, a diferença entre morrer e não acontecer nada é questão de detalhe, apenas. De sorte.
A Indy abre suas portas para gente despreparada e inexperiente. É um risco grande demais colocar num carro que vai andar a mais de 300 km/h, velocidade quase constante, pilotos sem noção de vácuo, turbulência, distância. Eles se tornam armas mortais. Tenho lido algumas declarações de pilotos experientes, como Tony Kanaan, sobre o comportamento de seus pares nas pistas. Jody Scheckter pediu para o filho Tomas largar a categoria. Tomas admitiu que a Indy não é segura, em ovais. Nigel Mansell comentou que não há acidentes “pequenos” em ovais. O menor erro de qualquer piloto acaba causando uma catástrofe.
Há fatalidades imprevisíveis. Mas há outras anunciadas. Corridas de monopostos em ovais estão entre essas. Colocar 34 carros num oval curto de altíssima velocidade e enorme inclinação é quase uma insanidade. A Indy tem sua parcela de culpa pela morte de Wheldon. Os pilotos, que aceitam entrar nessas arenas suicidas, também.
Mas é um enorme paradoxo nisso tudo que estou escrevendo. Num primeiro momento, a vontade que dá é de dizer: proíbam as corridas em ovais. Só que, aí, me vêm à mente as imagens de Indianápolis, seus mais de 100 anos de história, as provas que vi lá, a festa do público, a solenidade em torno daquele evento mágico, suas lendas e histórias.
Como imaginar o mundo sem as 500 Milhas de Indianápolis? Ou sem a velocidade de Monza, sem a loucura da Eau Rouge, sem a insanidade de Monte Carlo?
Meu amigo André Forastieri, jornalista da área cultural sempre antenado em tudo, escreveu um belo artigo hoje, cujo título é “O sentido do automobilismo é a morte”. De fato, é difícil argumentar a favor de corridas de automóvel. Que sentido elas têm? Levam a quê? Qual o sentido que existe em arriscar o pescoço em círculos sabendo que a qualquer momento pode aparecer um muro no meio do caminho?
Nenhum. Mas o quê, mesmo, faz sentido nesta vida?
Quase nada, porque ela acaba, de um jeito ou de outro. O sentido da vida é aquele que cada um dá à sua. Quando estou no meu carrinho de corrida, um velho Lada soviético que não vai me levar a lugar algum, percebo algum sentido na vida, mesmo sem saber exatamente qual. Talvez seja: OK, vamos correr e tentar sobreviver. Isso faz sentido: sobreviver.
No meu velho Lada soviético de corrida, sobreviverei sempre. É um desafio simples que não demanda nenhuma dose enorme de valentia. A sobrevivência, para pilotos de verdade, é algo bem mais complexo que exige muito mais talento e coragem e é por isso, creio, que os admiramos tanto.
Admiramos os que enfrentam a morte com talento e coragem, acho que é isso. Embora isso também não faça grande sentido.
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2 comentários:
Esse texto sim ficou legal.. ate filosofico..rsrrs Deixa os loucos da Indy fazerem as corridas deles, o Barrichello mesmo, se nao me engano deu declaração q recebeu convite do Tony p/ correr lá, mas nao foi por achar os ovais mto perigosos..é isso.. quem nao quer nao vai e quem quer sabe do risco.. de fato faz parte da categoria.. é o risco q tb da mta emoção ao automobilismo..I´m Indy!
excelente texto!!! automobilismo sem riscos não teria a menor graça...
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