*Por Victor Martins
O sr. Lars Osterlind, a quem desde já reputo todo meu respeito e admiração por seu trabalho de investigação, foi indicado pela própria FIA para minuciar toda a epopeia antagonizada pela Ferrari que o mundo viu naquele 25 de julho na Alemanha. O sr. Osterlind entregou um relatório nas mãos dos indigníssimos representantes do Conselho Mundial em que evidenciava o jogo de equipe para permitir que Alonso vencesse em detrimento de Massa, contrariando a defesa dos italianos de que nenhuma mensagem determinando a troca foi passada aos pilotos.
Como a inteligência de Osterlind não faz parte de um novo brinquedo do Playcenter ou do parque mais próximo aí de sua cidade, ali naquele documento ele concluiu que alguns elementos codificados, expressos em seu ápice no “Fernando is faster than you”, eram a deixa para que a Ferrari executasse seu plano. A Ferrari rebateu dizendo que só fez aquilo para que o brasileiro fosse motivado e que a decisão de deixar passar partiu do mesmo.
Osterlind foi além e derrubou esta piadinha de gosto duvidoso, eufemismo para hipocrisia, da Ferrari revelando que o time havia pedido para seus pilotos baixarem as rotações do motor, como costumeiramente faz nas partes finais das corridas. Alonso acatou e depois, à revelia de Massa, aumentou os giros. Fernando passou a ser mais rápido que Massa, pois.
Assim, Osterlind, munido de uma postura ética, pediu que a Ferrari fosse punida, perdendo seus pontos na corrida, bem como a vitória fosse devolvida a Massa numa aplicação simples de 5 segundos ao tempo final de prova de Alonso, suficiente para que a inversão de posições acontecesse. À sua indicação, Osterlind anexou a declaração pessoal de que “o automobilismo deve ser imprevisível” e que “parte do elemento de competição é dar tratamento igual a todos os competidores”.
Pois a FIA chegou à mesma conclusão que Osterlind, textual e oficialmente, hoje, no rescaldo detalhado de suas ações em sua sede em Paris. Só não fez mais nada em relação à punição que havia sido dada pelos comissários da corrida, os tais US$ 100 mil. E prometeu rever a regra porque, talvez, esteja mal escrita, puxa vida.
Não posso conceber que um artigo de regulamento que diga que “ordens de equipe estão proibidas” esteja mal escrito. Mais claro que isso, só dois disso. Não posso conceber que, diante da admissão de que houve um jogo de equipe, que a punição seja quantificada em valor financeiro. US$ 100 mil é o que a Ferrari gasta com o chá da tarde na estação de esqui em Madonna di Campiglio no começo do ano. E também não posso conceber com este argumento geral de que é difícil fiscalizar quando há ordem de equipe ou não.
Ao que me parece e consta, estamos em 2010, um mundo dominado pela comunicação rápida, quase em ritmo de fast food. São câmeras em HD e supercâmeras para identificar sinalizações das mais exageradas e contidas em placas e gestos, captação de todas as conversas de rádio, telemetria avançada que pode mostrar alterações no ritmo de corrida de cada piloto e, principalmente, bom senso e inteligência. Em suma, quando se bem quer, entende-se que há um jogo de equipe e pronto.
Diante disso, vamos a uma análise. Qual a diferença do que foi feito pela Ferrari na Alemanha e o que aconteceu em Cingapura em 2008? Esqueça que o caso da Renault foi muito mais deplorável esportivamente. A questão envolve o plano e o resultado. A única diferença que há é que não houve uma troca de posições. A Renault contava com o fator de risco. Era basicamente uma aposta.
Porque nos dois casos houve uma armação e um jogo de equipe, que colocava o piloto 2 em prejuízo por causa do piloto 1 — a Renault precisou tirar o 2 da prova; a Ferrari, não —, com objetivos bem claros. A Ferrari queria manter seu piloto 1 na disputa pelo título e a Renault pretendia manter os patrocínios para o próximo ano. Coincidentemente (ou não), o piloto 1 é o mesmo nos dois casos. Hão de dizer alguns que no caso da Renault o destino da corrida foi modificado e tal. Dane-se. A questão está nos atos e não nas consequências.
Em 2002, a Ferrari saiu com uma multa de US$ 1 milhão no episódio de Barrichello e Schumacher na Áustria. Em 2009, ano do julgamento, houve toda uma história de delação premiada e banimento de Flavio Briatore e Pat Symonds, sendo que a Renault foi posta em observação por ter sido ré confessa. Em 2010, a Ferrari saiu com uma multa 90% mais barata que a de oito anos atrás sem que Stefano Domenicali fosse questionado ou ameaçado de punição. Difícil julgar na condição da hipótese, mas provavelmente uma presidência de Max Mosley na FIA nos tempos atuais traria um resultado muito mais moral, digamos assim. Com Jean Todt, arquiteto de resultados manipulados no comando, era de fato impossível cobrar uma posição mais firme.
Falei hoje com uma fonte que todos hão de saber quem na semana que vem. A declaração, para se compreender bem o que se passa numa reunião do Conselho, foi esta: “É um negócio tenso demais. É uma experiência e tanto estar naquele prédio (…). Eles ficam lá dentro falando, e aí todo mundo decide alguma coisa, eles vão lá fora e gritam para os jornalistas que foi tal coisa, soltam um ‘press release’ e ficam 500 mil pessoas gritando para saber o que aconteceu. Essas decisões da FIA são meio assim: vamos decidir todos juntos, somos uma família, não somos só a FIA, somos Ferrari e outras equipes, e vamos tomar uma decisão que não atrapalhe o esporte.”
O problema não recai simplesmente sobre quem tem ou não tem caráter e postura e se volta contra o sistema. É como o cara que joga lixo na rua ou que sai dirigindo um carro bêbado pondo em risco a vida dos outros. Enquanto não se pune um camarada destes, o erro persiste. Infelizmente o ser humano é assim: só aprende dando com a cara na parede. Aí ele vai aprender na marra a saber de valores. Coloquem alguém minimamente digno no comando, FIA e F1, que toda esta patacoada deprimente acaba. Os cordeirinhos vão obedecer depois que as sanções forem aplicadas.
Repito: considero incompreensível colocar um campeonato de Construtores mais valioso que o de Pilotos. Se assim for, que se coloquem robôs nos cockpits, e aí as disputas das marcas se tornam atração principal. Ou que os interesses da equipe valham mais que o do competidor. O jogo de equipe só é aceitável quando um de seus pilotos deixa de concorrer ao seu ideal — aí, então, que trabalhe pelo ideal do outro. Se quiserem mexer na regra, que coloquem este adendo. O resto vira perfumaria e se vira contra a própria F1.
Martin Whitmarsh, chefe da McLaren, disse essa semana que a F1 precisava trabalhar o marketing. Brilhante. Diante dos recentes ocorridos, Bernie Ecclestone deveria investir sua ampla fortuna num papa da propaganda para o bem de sua família.