* Por Alexander Grünwald
Há três décadas, mais um Mundial de Fórmula 1 chegava ao fim. Vencido por Michelle Alboreto, o GP de Las Vegas marcava o encerramento da temporada de 1982, um ano em que a categoria teve 11 ganhadores diferentes em 16 corridas. Disputada no dia 25 de setembro, a corrida que consagrou o finlandês Keke Rosberg como campeão daquele ano marcava também o fim de um sonho brasileiro na categoria. Após oito anos de atividade e mais de uma centena de GPs, a equipe Fittipaldi fechava as portas.
Cercado por dificuldades financeiras, o fim do time fundado pelos irmãos Emerson e Wilsinho foi melancólico. Ao volante, o jovem Chico Serra – que dali a duas décadas se tornaria tricampeão da Stock Car – nada pôde fazer com o equipamento pouco competitivo que a equipe dispunha àquela altura. Ao marcar o trigésimo e último tempo no treino classificatório, o piloto não conseguiu classificar o modelo F9 para a largada. Fato, por sinal, que se repetiu outras cinco vezes ao longo daquele ano, mostrando a decadência inevitável de um time que chegou a conquistar três pódios e que terminou alguns campeonatos à frente de forças como Lotus, Renault, Ferrari e Williams.
Batizada inicialmente como Copersucar, devido a um patrocínio estatal que sustentou a equipe nos primeiros anos, a Fittipaldi foi à pista pela primeira vez no GP da Argentina de 1975, temporada em que Wilsinho guiou o modelo FD01. Para Emerson Fittipaldi, a falta de parâmetros da imprensa brasileira com relação a um projeto deste porte causou uma pressão extra e também alguns constrangimentos logo de cara. Algo que, em parte, foi causado por sua própria presença no cockpit do carro brasileiro, já que o piloto deixou a McLaren e um retrospecto de dois títulos e dois vices nos quatro anos anteriores para abraçar a ideia de vencer com seu próprio carro já a partir de 1976.
- Na época, ainda não havia uma imprensa especializada como existe hoje em dia, que sabe avaliar, que sabe entender a importância de um resultado intermediário para um time novato. Com exceção de jornalistas como Reginaldo Leme e Lito Cavalcanti, por exemplo, geralmente nós só ouvíamos cobranças, como se vencer na Fórmula 1 fosse uma coisa simples. Isso causou um entendimento errado da coisa e infelizmente gerou algumas piadas, prejudicando nosso trabalho na captação de patrocinadores no Brasil – avalia Emerson.
Principal piloto do time até 1980, quando deixou a F-1, Emerson Fittipaldi não conseguiu repetir na própria equipe o sucesso alcançado a bordo dos carros da McLaren e da Lotus. Mas coube ao bicampeão a maior conquista dos carros brasileiros na categoria, e logo diante de sua torcida. No GP do Brasil de 1978, o primeiro disputado no Rio de Janeiro, ele levou o modelo F5A a um expressivo segundo lugar, atrás apenas do argentino Carlos Reutemann, que venceu com uma Ferrari. O feito ficou marcado na memória do piloto.
- Foi uma emoção fantástica conquistar aquele resultado no Brasil, com as arquibancadas lotadas, num dia de muito calor em que nosso carro estava realmente bom. Foi uma pena não termos vencido. Este segundo lugar foi conquistado na pista, ultrapassando carros mais fortes, sendo que ninguém quebrou à nossa frente, isso é importante frisar – relembra o bicampeão.
Sonho verde e amarelo
O projetista Ricardo Divila, responsável por praticamente todos os modelos construídos pela equipe, considera a jornada da Fittipaldi vitoriosa dentro das circunstâncias da época. O engenheiro admite que a maior alegria que viveu não foi o pódio no Brasil, e sim o motivador primeiro ponto conquistado pelo carro que projetou. Isso se deu na terceira prova de Emerson na temporada de 1976, nas ruas de Long Beach, nos Estados Unidos. Com a perspectiva aplicada pelo tempo, Divila aponta o maior pecado do time no seu processo de crescimento: produzir chassis e peças numa fábrica no bairro de Interlagos, em São Paulo.
- O erro foi tentar ser muito nacionalista, fazer tudo no Brasil. Não era uma época de Internet, de troca de dados, então a comunicação, a logística, a manutenção, era tudo muito difícil. Até conseguir mudar a equipe para ser independente na Europa, perdemos muito tempo. E foi logo numa época em que mais mudou a tecnologia. Pelo tamanho da equipe e a experiência que tínhamos, manter o pique da evolução dos outros foi bem complicado – avalia o engenheiro, que atualmente é chefe de projetos da Nissan, e atua nos diferentes programas de competição da montadora japonesa, incluindo o Mundial de Endurance.
Durante os oito anos em que participou do Mundial, a Fittipaldi Automotive reuniu um time de feras em seu quadro de funcionários. Além dos irmãos fundadores, os pilotos Alex Dias Ribeiro, Ingo Hoffmann e o futuro campeão Keke Rosberg também guiaram os carros da equipe. Foi também na equipe brasileira que um certo Adrian Newey conseguiu seu primeiro emprego na Fórmula 1, antes de virar o “mago” que desenvolveu carros campeões na Williams, na McLaren e na RBR, onde está atualmente. Mesmo alheio aos comentários maldosos da imprensa brasileira, Divila confessa que a presença de um nome de peso como Emerson, em vez de ser estimulante, de certa maneira surtiu o efeito contrário para a organização.
- Eu fui contra quando o Emerson quis guiar para a gente. Era um time muito novo e ele era um bicampeão mundial. Era muita responsabilidade e isso gerou muita pressão, complicou tudo. Até nós mesmos, lá dentro, reclamávamos. Para quem estava acostumado a vê-lo campeão do mundo, era natural achar que o carro não estava andando como deveria. Depois que “fechou o botequim”, vimos que não foi tão mal assim. Andamos à frente de muita equipe grande, como Ferrari, McLaren, Lotus. Mas houve muita cobrança entre nós mesmos e, claro, muita cobrança externa – admite Divila.
Apesar dos pódios em 1978 e 1980 e de posições promissoras no Mundial de Construtores, a ausência de um patrocinador principal começou a sufocar a equipe a partir de 1981. As quebras se intensificaram e falta de dinheiro relegou o time às últimas posições. Ainda assim, Chico Serra conseguiu um solitário ponto na quinta etapa da temporada de 1982, o GP da Bélgica, numa recuperação incrível: na época, a zona e pontuação contemplava apenas os seis primeiros, e Serra chegou lá após largar da 23ª posição. O pontinho valeu ao brasileiro a 26ª e última posição naquele Mundial. Que, ironicamente, acabou nas mãos de um piloto que, um ano antes, ainda defendia as cores da Fittipaldi. Para a equipe brasileira, aquele era o último capítulo de uma história escrita em tons de verde, amarelo e muito pioneirismo.
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