* Por Lívio Oricchio
Nos últimos dias percebi uma onda de otimismo em relação à recuperação de Robert Kubica e ao eventual retorno à Fórmula 1. Durante o GP da Itália, em Monza, vi pessoas conversando sobre a volta desse simpático polonês de 27 anos às competições. Inscreveu-se para disputar o rali de Ronde Gomitolo di Lana, com seu Subaru Impreza modelo 2006, bancando ele próprio as despesas. Como a prova era na Lombardia também e a 120 quilômetros de Monza, cogitei a possibilidade de dar um pulo lá, mas os horários batiam com os meus na cobertura da Fórmula 1 e não foi possível.
No último fim de semana Kubica voltou a correr, desta vez no Piemonte, em San Martino di Castrozza, sempre na Itália, onde ele reside. Com a namorada polonesa mora em Viareggio, perto de Lucca, Pisa, na Toscana.
As duas competições são amadoras, locais, destinadas a apaixonados por rali. Na Europa há uma fã-club de rali de velocidade enorme. Infelizmente não temos essa cultura no Brasil. Nosso interesse maior é por corridas com monopostos ou turismo. O rali no País ainda não se tornou popular, apesar do idealismo e abnegação de seus praticantes.
Em Gomito di Lana Kubica venceu com cerca de um minuto de vantagem para o segundo colocado, enquanto domingo, em San Martino, se acidentou. O vídeo está na internet. Um comentarista do blog disponibilizou o link. A dinâmica sugere que teve sorte ao não se ferir de novo. Despencou numa pequena ribanceira.
Já escrevi aqui que sou amigo de Roberto Chinchero, jornalista italiano, da Autosprint, o amigo mais próximo de Kubica. Sentamos sempre juntos na sala de imprensa dos autódromos: eu, Roberto e Luis Vasconcelos, jornalista português. Agora que não trabalho mais para nenhuma rádio, assisto às corridas na sala de imprensa tendo Kubica como comentarista. Roberto nos disponibiliza o áudio de parte dos comentários ao vivo. É divertido. O polonês não perdoa ninguém. Por manter o acordo com Roberto não posso escrever a respeito.
Através do meu amigo italiano sou informado do andamento da recuperação de Kubica. Hoje ainda não consegue produzir o movimento rotacional do antebraço direito, o mais atingido no acidente de 6 de fevereiro do ano passado, com seu Skoda Fabia, em Andora, na Liguria, Itália, a uma hora apenas de carro de onde resido, aqui em Nice, França.
Para movimentar o antebraço, o polonês comanda o braço. Só para lembrar, o braço é a porção do membro superior que articula com o ombro; o antebraço, com a mão. A articulação do cotovelo direito de Kubica também está um tanto comprometida, bem como a do punho. Mais: sua preensão de força e de precisão da mão direita está bem aquém da existente antes do acidente.
Ele tem o chamado braço duro parcial. Não confundir, por favor, com o termo destinado popularmente aos que não sabem dirigir. Kubica é o oposto. Representa um dos grandes talentos da pródiga geração que chegou à Fórmula 1 nos últimos anos.
Num carro de turismo, como os de rali, Kubica consegue conduzir ainda com habilidade levando a mão esquerda, não afetada no acidente, ao volante, e movimentando o braço direito para mover o antebraço e a mão direitos a fim de obter o deslocamento rotacional. Ele consegue mexer o braço direito para frente e para trás, o que não cria inconvenientes para a troca de marchas.
Você pode simular a condição em que Kubica pilota impondo a si próprio as limitações de movimento rotacional do antebraço direito e do pulso, bem como angular do cotovelo. Ficará mais fácil a compreensão.
Repare que para realizar o movimento com o braço direito para ter o efeito desejado no antebraço é preciso dispor de espaço, o que não é um problema num veículo de turismo. Já num monoposto, onde tudo é miniaturizado ao extremo para reduzir o arrasto aerodinâmico, peso etc, esse movimento rotacional do antebraço e do punho através do braço não é possível. A lateral do cockpit está ali do lado dos braços, tangenciando o corpo do piloto praticamente.
E como no acidente de Andora, há pouco mais de um ano e meio, Kubica teve secção de boa parte dos nervos do antebraço, razão da dificuldade dos movimentos, sua recuperação, a ponto de voltar a realizar as revoluções do antebraço exigidas na pilotagem de um monoposto de Fórmula 1, o enquadraria na literatura médica. Li na imprensa italiana, ontem, uma declaração de Kubica a esse respeito: “Tenho, ainda, muitas limitações para pilotar um monoposto”.
Ouvi do doutor Igor Rosello, no hospital Santa Corona, em Pietra Ligure, onde Kubica foi levado depois do acidente de Andora, para onde fui também depois de entender a gravidade do caso, na conversa por telefone com Daniele Morelli, seu empresário: “Precisamos esperar cerca de uma semana para ver se o antebraço e a mão direitos vão sobreviver”.
Isso mesmo, foi cogitada a possibilidade de amputação, por comprometimento não só neurológico como vascular. Felizmente, mesmo, as várias cirurgias necessárias foram bem executadas e a condição atlética de Kubica colaborou decisivamente para sabermos que, por enquanto, aos menos nos ralis poderemos vê-lo.
Enganam-se, no entanto, os que pensam que para ser feliz Kubica precisa retornar à Fórmula 1. Se for possível, pouco provável, ótimo. Se não, sua natureza o faz aproveitar a vida, e muito bem, com os recursos físicos de que dispõe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário