quarta-feira, 27 de junho de 2012

CHRISTIAN FITTIPALDI, SOBRE BARRICHELLO NA INDY: “ESTÁ DE OK PARA FRACO”

Christian Fittipaldi é um caso privilegiado e raro de piloto que teve a oportunidade de pilotar praticamente todos os tipos de carro de corrida existentes. Desde que saiu do kart, no fim dos anos 80, o sobrinho do bicampeão Emerson Fittipaldi e filho do também ex-piloto Wilson já esteve a bordo de modelos de F3, F3000, F1, Indy, DTM, Arca, duas divisões nacionais da Nascar, Gran Turismo e protótipos das mais variadas montadoras, Stock Car, Copa Fiat (antigo Trofeo Linea) e, recentemente, um caminhão da F-Truck. E a lista pode crescer ainda mais.

Fittipaldi visitou a redação do Tazio Autosport e concedeu uma entrevista de mais de duas horas aos jornalistas Bruno Ferreira, Leonardo Felix, Lucas Berredo e Lucas Santochi.

Na primeira delas, Christian explica o atual momento da carreira e como seu futuro no automobilismo está ligado aos rumos familiares. Também relata a sensação de pilotar pela primeira vez um caminhão de competição e faz um comparativo bem detalhado entre a atual fase da Indy e o “momento de ouro” da categoria, do qual ele próprio fez parte. Avalia também o complicado ambiente da Nascar e as qualidades e defeitos da principal categoria brasileira, a Stock Car, pela qual teve passagens entre 2005 e 2010.

Mas o ponto de maior destaque foram os comentários sobre Rubens Barrichello, grande rival dos tempos de kart. Segundo Fittipaldi, o recordista em número de GPs na F1 vem tendo campanha “de ok para fraca” em sua nova empreitada e não está apresentando os resultados condizentes com seu talento.

Bruno Ferreira – Independente da decisão de ficar no Brasil ou não, há alguma categoria que te agrade mais em relação ao formato de corridas, carro e etc?

Acho que, hoje em dia, os carros da Grand-Am são os que tem mais essa combinação. É um carro rápido – não é o mais avançado tecnologicamente, mas te dá a oportunidade de pilotar, de extrair todo o prazer daquilo que está guiando. É relativamente seguro, corre em locais relativamente seguros, também. Juntando todos esses fatores, acaba pesando na decisião. Se você me perguntasse se eu voltaria para Indianápolis para disputar as 500 Milhas, não, obrigado. Inclusive, desde que parei de correr na Indy, tive quatro ou cinco convites concretos para voltar para lá, mas não voltei em nenhuma delas. Achei que foi uma época legal da minha vida, aprendi bastante, conheci muita gente, mas tive algumas batidas no muro – e o tal do muro é bem duro. [risos] Não sei se hoje em dia, com minha idade e a fase pela qual passo na carreira, eu passaria por isso de novo. Tendo dito isso, nada impede que eu esteja correndo de Línea em Goiânia, tome uma porrada legal e me machuque. Sempre estamos expostos a alguns tipos de risco, mas essa exposição em um Línea é dez vezes menor do que num Indy, numa pista oval, batendo roda com um monte de pessoa.


“TIVE QUATRO OU CINCO CONVITES CONCRETOS PARA VOLTAR PARA A INDY.”

Lucas Santochi – Até falando em Indy, a categoria foi bastante criticada no último ano por causa da segurança. Vendo de fora, você achava que a categoria era perigosa?

Acho que não é nem tanto o problema do carro, mas sim da natureza de onde eles correm. Os ovais sempre foram extremamente perigosos. Do meu ponto de vista, o que deixou ainda mais perigoso foi, por incrível que pareça, a melhora dos pneus. Quando fui correr de Indy, tinha uma guerra muito grande entre as marcas. Fazíamos a volta de classificação – com pneu novo, era uma situação bem crítica. Tínhamos de colocar um monte de asa para o carro ficar neutro. Depois que terminavámos, a coisa ficava menos crítica. Começávamos a prova virando, por exemplo, 20s alto. No final do primeiro stint, os pneus pioravam tanto que os tempos eram em 23s, 24s, o que faz grande diferença. As velocidades são completamente diferentes. Quando se batia naquela época, em vez de atingir o muro a 180 km/h, era em 155 km/h. Esses 25 km/h fazem muita diferença. Hoje em dia, você larga e anda no mesmo ritmo durante 20, 30 voltas, com todo mundo andando lado a lado, bem próximo. Para quem está assistindo na arquibancada é interessante, mas, para quem está no carro, não é tanto assim. [risos]

Lucas Berredo – Por falar em acidentes, você teve um bem grande em Surfers Paradise, em 1997. O que você se lembra daquilo?

Lá só foi impressionante, porque, comigo, não aconteceu nada. Só aconteceram coisas mecânicas, já que eu quebrei uma perna e um pé. Acho que o pior acidente que eu tive foi testando em St. Louis, em 1999. Estava usando o carro e o motor do ano seguinte e tive um problema no fim da reta. Acabei entrando de ré, bati e desliguei completamente. Só fui acordar no hospital e fiquei 50 dias fora, sendo que nos primeiros 20 eu só queria dormir – dormia 18 horas por dia. Perguntava direto para o médico, o Steve Olvey, que era médico da Cart, se aquilo era normal. Ele dizia que sim, que era a minha cabeça tentando se recuperar. Eu estourei alguns vasos sanguíneos, então, além de eu querer dormir, eu tinha uma dor de cabeça constante. Ele me disse que eu não tinha o que fazer, que eu tinha que esperar. Um belo dia, entrei no chuveiro para tomar banho com dor de cabeça, mas saí sem a dor de cabeça. Foi a coisa mais louca da minha vida! Liguei correndo para o médico, dizendo que estava bem e perguntando se eu poderia já voltar a correr. Ele disse “calma, não é bem assim”. Tive que passar por vários testes para poder voltar. Era algo do tipo “ligue a foto da galinha com a outra foto da galinha”. E, no meu primeiro teste, mesmo que eu não tivesse mais dor de cabeça, eu não consegui passar. Esperei mais duas semanas, repeti o teste e passei.

Lucas Santochi – Recentemente, o Rubens Barrichello afirmou que você foi o maior rival da carreira dele. Foi o mesmo para você?

Como rival único, se eu for apontar um só, sem dúvidas nenhuma foi ele. A nossa carreira foi feita junta o tempo todo. Ele teve muito sucesso aqui no Brasil, e eu também. Aí eu tive um bom sucesso em campeonatos mundiais de kart – terminei em sexto duas vezes, onde eram 120, 130 pilotos correndo. Em uma dessas vezes, eu larguei em quarto na final, e, quem ganhasse, seria o campeão. Em todos esses momentos, apesar dos outros concorrentes, a minha preocupação na pista era o Rubinho e acho que a preocupação dele era eu. Tenho certeza que eu não seria quem eu sou hoje se não fosse o Rubinho, e espero que eu possa falar o mesmo dele em relação a mim. Eu concordo com ele – a nossa história durante os anos de kart foi muito intensa. Começamos a correr de F1 praticamente juntos, mas, depois, as nossas vidas tomaram rumos completamente diferentes. Quando cheguei nos Estados Unidos para correr na Indy, tinha somente uma sacolinha de mão. Tinha deixado tudo na Europa, porque eu não achei que eu iria ficar por lá – pensei que voltaria à F1. Depois de três ou quatro meses, assinei meu primeiro contrato com a Newman-Haas, que era de três anos. Quando chegou ao fim deste contrato, assinei por mais dois, e eu perdi o bonde da F1. Eu tinha uma vida nos Estados Unidos – casa, amigos, periquito, papagaio... Não tinha mais como voltar à F1.


“TENHO CERTEZA QUE EU NÃO SERIA QUEM EU SOU HOJE SE NÃO FOSSE O RUBINHO, E ESPERO PODER FALAR O MESMO DELE EM RELAÇÃO A MIM.”

Lucas Berredo – O que você está achando do rendimento do Barrichello na Indy?

Até agora? De ok para fraco. E acho que ele diria a mesma coisa. Se você perguntar para ele sobre as provas até agora, e se ele for sincero, não sei se ele vai falar que está extremamente contente. Principalmente nas pistas mistas. Tudo bem, você pode alegar que ele nunca correu de Indy, mas ele tem mais quilometragem em carro de corrida do que seis, sete pilotos juntos. Então, uma coisa compensa a outra. “Ah, ele nunca correu de oval”? Sim, mas também tem uma série de pilotos que nunca correram de oval e foram muito bem. A primeira vez que fui para Indianápolis, cheguei em segundo, e eu nunca tinha corrido em oval. Pelo amor de Deus, eu não estou aqui para fazer comparação nenhuma, mas estou dizendo o que eu acho que está se passando na cabeça dele. Eu conheço sua capacidade e sei que ele é muito mais capaz do que os resultados que ele teve até agora na Indy possam indicar. Ele, como competidor feroz que eu sei que ele é, no fundo, no fundo, no fundo, não deve estar feliz. Ele não saiu da F1 para ir para a Indy e andar em oitavo, décimo, 15º.

Lucas Berredo – Mas isso também não é reflexo da equipe pela qual ele está correndo?

As primeiras comparações que a gente tem é com o companheiro de equipe. Querendo ou não, o Tony [Kanaan] está tendo uma temporada difícil até agora, mas, comparado com a do Rubinho, ele apareceu muito mais. Temos que lembrar também que eles são grandes amigos, então é claro que o Tony tenta acelerar o máximo possível o processo de aprendizagem do Rubinho, principalmente no que diz respeito aos ovais. Só que, no fim das contas, você está sozinho no carro. Outra coisa que vi: no momento em que ele saiu da F1, ele achou que iria entrar na “Red Bull da Indy”, que a equipe do Tony fosse ser melhor do que ela é. E não é o caso. A equipe do Tony está muito abaixo da Penske e da Ganassi. É óbvio que, se você não tiver material de ponta para competir, nunca vai conseguir fazer nada. Temos que lembrar que o pessoal que guia de Penske e Ganassi não é idiota. Eles aceleram para caramba e tem uma experiência gigante na Indy. Talvez ele achasse que a transição seria menos difícil do que está sendo. Mas lá tem gente que acelera. Eu vi isso quando fui para lá. Isso fez com que eu pagasse a língua, porque eu achei que o pessoal do outro lado do “laguinho” não acelerava tanto quanto os do Velho Continente. O automobilismo americano tem aquele perfil mais tranquilo, todos falam com todos, mas, na hora de bandeira verde, ninguém quer saber. Todos querem sentar, acelerar, e “se vira, negão”. Mas nada impede que ele não possa se adaptar e, tendo a oportunidade correta, ter sucesso na Indy. Eu ficaria surpreso se ele não tivesse sucesso na Indy. Não sei o que falta ele ainda se adaptar, mas uma coisa eu tenho certeza: falta de talento não é.

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