terça-feira, 22 de maio de 2012

GP de Mônaco de 1972: o Brasil assume a liderança do Mundial pela primeira vez*

* Por Lívio Oricchio


Nos últimos dias a chuva não deu uma trégua, sequer, no Principado de Mônaco, pronto para receber a sexta etapa do emocionante campeonato. Quinta-feira começam os treinos livres. Os elegantes boulevards molhados, a visibilidade reduzida e até um certo friozinho definem cenário bem semelhante ao da histórica edição de 1972, de boas memórias para o Brasil. Há exatos 40 anos, em Mônaco, o País celebrava, com o terceiro lugar de Emerson Fittipaldi, da Lotus, a inédita liderança do Mundial.

A previsão meteorológica indica que Sebastian Vettel, da Red Bull, Fernando Alonso, Ferrari, Lewis Hamilton, McLaren, e Kimi Raikkonen, Lotus, os primeiros colocados na classificação, bem como os demais dez candidatos à vitória, domingo, vão enfrentar melhores condições que as atuais. “Até porque, hoje, na Fórmula 1, não dão a largada numa corrida como a nossa, onde não se via nada”, disse o vencedor do GP de Mônaco de 1972, Jean Pierre Beltoise, da BRM, ontem, ao Estado. A declaração de Emerson na época ficou imortalizada: “Não participei de um GP, mas de uma regata”.


Estava na pole position. Mas na subida do Cassino, depois da largada, Emerson caiu para a quarta colocação. E Beltoise, quarto no grid, ascendeu à liderança, à frente de Jack Ickx e Clay Regazzoni, ambos da Ferrari. “Várias razões explicam meu arranque. Primeiro penso que havia menos água e óleo onde estava no grid”, lembra Beltoise. A prova se estendeu por impressionantes 2 horas e 26 minutos, 80 voltas no traçado de 3.145 metros sem as chicanes da piscina. Agora são 3.340 metros.

“Apesar da longa duração, quando recebi a bandeirada, tive a impressão de que a corrida teve apenas meia hora. Mantive-me tão concentrado que o tempo passou depressa”, falou Beltoise. “Levei alguns sustos com aquaplaning, quase rodei umas duas vezes”. Seu temor, na sexta-feira e no sábado, com a mão esquerda, desfez-se com a chuva. O piloto da BRM não tinha todos os movimentos, decorrência de um grave acidente de moto, em 1964, e em Mônaco isso o atrapalhava. Antes da Fórmula 1, Beltoise ganhou vários campeonatos como piloto de moto. “O volante do carro ficou mole. No seco era bem duro”, explicou. Não havia direção hidráulica, como hoje.

Emerson comentou, ontem, ao Estado, sobre iniciar na pole position e cair para quarto antes ainda da Saint Devote, a primeira curva. “Todas as equipes que usavam motor Cosworth, como a Lotus, sofreram muito naquela corrida em que o asfalto estava um quiabo. A potência vinha de uma vez. Fiquei patinando na largada enquanto o Beltoise, o Ickx e o Regazzoni, todos com motor V-12, mais guiável que o nosso V-8, tracionavam bem melhor.”

Ao ficar para trás na largada, além de dispor de um carro menos eficiente para aquelas condições, a cortina de água levantada por aqueles enormes pneus não os permitia ver nada. “A coisa estava tão feia que o Regazzoni errou na freada da Chicane (depois do túnel) e eu, sem ver nada, freei junto, achando que estava fazendo o certo. Só na sequência fui compreender que ele se equivocou e eu, sem saber, segui no embalo.”

Aquele erro fez com que Emerson perdesse várias colocações. “Precisei esperar o pelotão passar e me preocupei em tentar terminar a corrida sem errar para subir na classificação. Mas estava muito difícil. O Jackie errou e acabou atrás de mim.” Jackie Stewart, da Tyrrell, era o campeão do mundo.

Ninguém chegou perto de Beltoise para ameaçar sua única e merecida vitória na Fórmula 1 em 86 GPs, de 1966 a 1974. Ickx recebeu a bandeirada 38 segundos atrás e Emerson, terceiro, com uma volta de atraso. Stewart, quarto, com duas voltas a menos. Os quatro pontos do piloto da Lotus o levaram a somar, depois de quatro etapas, 19 pontos, diante de 16 de Ickx. Emerson conquistaria muito mais que a liderança do campeonato, mas o primeiro título do Brasil, no GP da Itália, na lendária Monza.

“Ultrapassar três adversários, ficar em primeiro, e pode ver alguma coisa, foi decisivo para vencer”, comenta Beltoise. “Naquele tempo não tinha essa de não correr com chuva. Lembro-me de competir em Nurburgring sem chuva, mas com tanta neblina que não se enxergava nada. Stewart venceu.” Foi em 1968. O escocês realizou talvez a maior façanha da carreira ao ganhar com uma diferença de 4 minutos e 3 segundos para Graham Hill, da Lotus.

“Antes da largada discuti com a equipe e exigi que tirassem a barra anti-rolagem do BRM. Não queriam, mas depois de eu brigar me ouviram.” Beltoise, hoje com 75 anos, fala do ocorrido depois: “No jantar, à noite, para comemorarmos, me deram razão, mas eu estava tão bêbado que não me lembro de muita coisa. Tiveram de me levar para o hotel”.

Na conversa com Emerson, ontem, ficou claro que a decisão de Beltoise foi correta. “Amoleceu o carro, que é o que fazíamos para correr no molhado. Já no seco a história é outra. Em 1991 fui disputar o GP de Detroit, na Indy, circuito de rua também, o mesmo onde correu a Fórmula 1 (até 1988). O Ayrton ganhou lá (1986, 1987 e 1988) e liguei para ele. Perguntei que acerto básico deveria ter. O Ayrton me disse que o melhor era usar uma suspensão traseira bem dura, para soltar um pouco a traseira. Isso fazia com que você entrasse na curva já com o carro de frente. Era arriscado, mas sabendo fazer ganhava-se um bom tempo. Fiz o que o Ayrton recomentou e ganhei a corrida também.”

Chico Rosa, hoje integrante da administração de Interlagos, amigo de Emerson, presente em Mônaco em 1972, destaca um aspecto importante na impressionante vantagem imposta por Beltoise, também comentada pelo piloto da Lotus, e não repetida em nenhuma das demais etapas do campeonato: “O motor V-12 da BRM não empurrava nada, não tinha potência, e naquele aguaceiro era o melhor que Beltoise poderia desejar. Largou bem por causa disso e seu carro era mais fácil de pilotar, sem atravessar quando dava no acelerador”.

O piloto da BRM mexeu com o público por ser francês, mas principalmente por não estar cotado para ser primeiro. Nunca havia vencido um GP desde a estreia na Fórmula 1, no GP da Alemanha de 1966, com Matra. Francois Cervert, jovem, arrojado, da equipe campeã, Tyrrell, era o ídolo maior. “No sábado, Stirling Moss (quatro vezes vice-campeão do mundo), instalado no Hotel de Paris, me via passar pela Curva do Cassino e disse-me que eu era o mais veloz naquele trecho. Falou ainda que se chovesse, domingo, eu venceria”, lembra Beltoise.

Dois outros brasileiros alinharam no GP de Mônaco de 1972. Wilson Fittipaldi, de Brabham, na sua segunda corrida na Fórmula 1, e Jose Carlos Pace, March, terceira. “Todos os treinos foram com pista seca, mas como havia a previsão de chuva para domingo, eu sabia que ninguém ia ver nada”, conta Wilson ao Estado. “Então contei quantos segundos eu permanecia acelerando até frear no Cassino, 10, 11, 12. Sem enxergar, a turma ia tirar o pé antes”, diz, rindo.

Naquele ponto Wilson realizou várias ultrapassagens usando essa técnica ousada. Já na aproximação da Loews, o cotovelo em primeira marcha para a esquerda, Wilson chegava a subir na guia, por dentro. Esse arrojo o levou da 21.ª colocação no grid ao 9.º lugar no final. Pace largou em 24.º e terminou em 17.º.

Wilson aprendeu essa técnica de contar por causa da escassa visibilidade nas Mil Milhas Brasileiras, corrida promovida por seu pai, radialista Wilson Fittipaldi. Em entrevista para o livro sobre os 50 anos das Mil Milhas, em 2006, Breno Fornari, vencedor de três das quatro primeiras edições da prova, em Interlagos, contou algo semelhante: “Havia tanta serração no autódromo que nós fazíamos a curva 3 e contávamos até 5 ou 6, não me lembro, e começávamos a virar o volante para a esquerda por saber que já estávamos na curva 4, sem ver quase nada”. Wilson cresceu nesse meio. A primeira edição das Mil Milhas foi em 1956, quando tinha 12 anos.

Alguns números exemplificam as dificuldades dos 25 pilotos que largaram no GP de Mônaco de 1972: 102,7 km/h foi a média horária de Beltoise, impensavelmente baixa para a Fórmula 1. Mais: 1min40s0, melhor volta, de Beltoise, média de 113,2 km/h, da mesma forma, lenta demais, por causa da forte chuva o tempo todo. Dos 25 no grid, 17 se classificaram ao final da 80.ª volta, ou seja, completaram 90% da prova. O quinto e o sexto colocados, Brian Redman, McLaren, e Chris Amon, Matra, tomaram três voltas de Beltoise.

Quem conversa com Beltoise nao pode nao tocar no assunto 1000 km de Buenos Aires de 1971. Ele pilotava a Matra quando ficou sem gasolina. Passou a empurrar o carro a fim de chegar nos boxes pela extremidade da pista.

Mas o carro deslocou-se mais para o centro da pista e Beltoise prosseguiu empurrando-o, com os demais Porsches, Ferraris, passando a milimetros da traseira. Ignazio Giunti, com Ferrari, encoberto pelo piloto a frente, nao o viu, acertando-o em cheio. O esporte prototipo do italiano se transformou numa bola de fogo, matando-o.

A justiça argentina julgou e considerou o piloto frances culpado pelo acidente. Se retornasse a Argentina seria preso. Hoje, 41 anos depois, diz Beltoise, a pena esta prescrita. “Fangio me procurou naqueles dias bem dificeis e disse para nao me sentir culpado porque qualquer bom piloto, com vontade de vencer, faria o que fiz. E duro aceitar que um colega perdeu a vida, mas como me disse Fangio, nao me sinto mesmo culpado. Coisas de corrida de carro.”

Retornando a Formula 1, há ainda outro aspecto histórico envolvendo o GP de Mônaco de 1972 e o Brasil. Até então foram bem raras as transmissões das corridas pela TV. Pois naquela prova pela primeira vez os brasileiros assistiram a uma etapa do Mundial em cores, tecnologia introduzida no País um mês e meio antes, apenas.

A partir daí, acompanhar o sucesso dos pilotos do Brasil na Fórmula 1, nos domingos de manhã, na TV, tornou-se um hábito nacional. Um tanto desacreditado nos últimos anos, é verdade.

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