sexta-feira, 27 de abril de 2012

O drama da Ferrari*


* Por Lívio Oricchio

Foram até agora quatro etapas muito interessantes, vocês não acham? Quatro vencedores distintos, de quatro equipes diferentes, é a maior prova desse início de temporada espetacular.

Estou curioso para saber como será o campeonato a partir do GP da Espanha, o próximo do calendário, dia 13 de maio, em Barcelona, pista que os times conhecem como nenhuma outra.
Terça, quarta e quinta-feira 11 das 12 equipes vão treinar no autódromo de Mugello, próximo a Florença, de propriedade da Ferrari. Seu traçado apresenta seções de elevada seletividade, com curvas contornadas em quinta e sexta marchas. Mas me surpreendi na China ao ouvir de profissionais experientes que o circuito não tem nada a ver com os demais do Mundial e não servir muito de referência.

A exceção no teste de Mugello será a HRT. O argumento oficial é que a organização espanhola aproveitará o intervalo das corridas para se estabelecer na nova sede, em Madrid, e não mais em Valência.

O assunto agora é a Ferrari, conforme diz o título do post.
Fernando Alonso treinará nos dois primeiros dias e Felipe Massa no último, em Mugello. Mas se vocês acham que eles vão pilotar a versão B do carro italiano é melhor esquecer. Tenho informações de que o novo monoposto não está pronto. Isso quer dizer que a Ferrari o levará diretamente para o GP da Espanha e Alonso e Massa o experimentarão, pela primeira vez, no treino livre da sexta-feira no Circuito da Catalunha.

Voei com Pat Fry, diretor técnico da escuderia de Maranello, de Frankfurt a Manama, no Bahrein, semana passada. Fry é em geral bastante discreto. Mas surpreendentemente conversou comigo no embarque e depois na hora de recolher a bagagem na esteira. Aguardava dois grandes volumes. “Peças novas que usaremos aqui (circuito de Sakhir).” As colocou no carrinho e pessoalmente levou para a pista árabe.

“Não vamos mexer na suspensão dianteira”, limitou-se a me dizer Fry sobre a versão B do F2012. Mas confirmou que todo o conjunto traseiro é novo. A suspensão dianteira tipo pull rod, da forma como foi construída, não permite curso quase nenhum. A barra (tirante) que conecta a porção superior da manga de eixo ao conjunto barra de torsão-amortecedor, na parte baixa do monocoque, trabalha numa posição quase paralela, contra tudo o que se faz nas suspensões pull rod. Até agora o tirante sempre foi empregando formando um importante ângulo em relação aos braços das suspensões e não ocupar posicionamento quase paralelo.

O grupo coordenado por Nikolas Tombazis, projetista-chefe, reestuda tudo na concepção aerodinâmica: os fluxos de ar que percorrem o carro por baixo, por dentro das laterais, e por cima.

Mais: os canos de escape serão posicionados mais para a frente e os gases vão percorrer as laterais que se abaixam na direção do difusor, a porção final do assoalho, curvada para cima. A exemplo de Adrian Newey na última versão do RB8-Renault da Red Bull, a Ferrari F2012 terá a solução traseira da Sauber C31-Ferrari, concebida por James Key e Matt Morris.

A imprensa italiana e alemã publicou hoje que Key, que deixou a Sauber, irá trabalhar na Ferrari. Pelos motivos que abordarei mais para a frente penso ser possível, apesar dos desmentidos da assessoria da equipe italiana.

Faz sentido acreditarmos que a nova Ferrari dê um significativo salto de performance à escuderia. Potencialmente mais que as demais equipes em razão do seu atraso e não dispor, até o GP de Bahrein, de um sistema capaz de lhe garantir maior geração de pressão aerodinâmica e já explorado pela concorrência. Refiro-me ao uso mais eficaz dos gases do escapamento para gerar pressão aerodinâmica.

Mas com todo o avanço esperado para a Ferrari, seria surpreendente se, de uma hora para a outra, Alonso e Massa se inserissem na luta com McLaren, Red Bull, Mercedes e Lotus pelas vitórias. A base do modelo F2012 é equivocada. A Ferrari já sabe disso. Seria maravilhoso termos quinto times em condições de disputar a pole position e o primeiro lugar nas corridas. Mas penso ser pouco provável, embora acredite no importante avanço da Ferrari.

O drama da Ferrari, no entanto, se estende para bem além de o F2012 tornar-se mais veloz ou menos do esperado a partir do GP da Espanha. O momento da escuderia do Commendador é sério.
Como escrevi, traduzindo o pensamento do grupo técnico da Ferrari, talvez com exceção do pai do F2012, o grego Nikolas Tombazis, o carro não pode servir de base para o projeto de 2013, como com certeza farão McLaren, Red Bull, Mercedes e Lotus, pelo acerto dos conceitos empregados no modelo deste ano.

E o regulamento será praticamente o mesmo desta temporada.
Enquanto o projeto do ano que vem da Ferrari vai partir de uma página de computador em branco, os adversários já iniciam essa disputa na frente por terem referências positivas de seus monopostos modelo 2012.

Mais: quem vai coordenar o projeto de 2013 da Ferrari? Tombazis dispôs de todas as condições para conceber o F2012 e fracassou por completo, por mais que o carro melhore com as mudanças em curso. Domenicali até mandou embora Aldo Costa, ex-diretor técnico, hoje na Mercedes, por ser considerado conservador diante do arrojo de Tombazis.

O carro nasceu com enorme arrasto, que lhe causa algumas das mais baixas velocidades nas retas, não gera pressão aerodinâmica, responsável dentre outras coisas pela reduzida velocidade nas curvas e o desgate prematuro dos pneus, traciona muito mal, e não há interatividade entre as várias áreas do carro, suas soluções não se interligam, como é a marca registrada dos monopostos de Newey.

A Ferrari, através de Fry, está no mercado à caça literalmente de bons nomes na engenharia da Fórmula 1 para reforçar o grupo atual e já começar os estudos do projeto de 2014, quando o desafio técnico será imenso, por causa da introdução do motor V-6 turbo de 1, 6 litro em substituição ao V-8 aspirado de 2,4 litro de hoje. E as regras para a concepção do chassi serão outras, com maiores restrições aerodinâmicas e a introdução de pelo menos mais um sistema de recuperação de energia (kers), além do usado atualmente.

Fry já adiantou, também, que as necessidades da Ferrari são ainda maiores. “Precisamos repensar a forma de projetar os carros”, disse. Não falou, mas sabe-se que se refere ao modelo de um homem, em particular, conduzir toda a coordenação. É o oposto do que faz a McLaren, de onde vem Fry, onde há um projetista-chefe, mas as decisões do que será adotado no carro são definidas numa espécie de colegiado. Fry quer o mesmo na Ferrari e já contratou engenheiros para participar do grupo, como o experiente Ben Agathangelou, ex-Red Bull e Benetton, por exemplo. “As possibilidades de erro são menores”, explicou Fry ainda na Malásia, quando já havia ficado claro o equívoco do revolucionário F2012.

O grupo de trabalho da Ferrari na área de aerodinâmica é inexperiente, com exceção de Tombazis. O F2012 foi concebido por Tombazis, que nunca fez nada brilhante, coordenador de um grupo de jovens engenheiros especializados nos estudos de túnel de vento sem muitas horas de voo. As imensas dificuldades do projeto, citadas já, atestam o trabalho, pode-se dizer, grosseiro da equipe.

Fry já viu que eles não podem ser os responsáveis pelo modelo de 2013 e principalmente o de 2014, quando novos conceitos terão de ser desenvolvidos. Os atuais não mais serão válidos, pela mudança drástica das regras.

Vamos rever, então? A Ferrari refaz seu departamento de projeto, com nova metodologia, menos individual. Segundo: se for Tombazis que coordenará o modelo de 2012, suas ideias serão discutidas num grupo com outros engenheiros, agora mais experientes e eventualmente contestadores, não apenas discípulos da orientação do grego, como agora.

Se a Ferrari tiver a oportunidade de contratar um novo coordenador de projeto, dentro da nova metodologia de Fry, não hesito em acreditar que não medirá esforços. Essa tarefa é mais difícil do que parece. James Key seria um bom nome para agregar ideias novas e eficientes para a Ferrari.

Não acabou: na área administrativa deveremos ter novas faces também em 2013. Se Domenicali continuar na direção da Ferrari terá um vice, pois assumiu funções demais. Cuida desde as questões políticas, nos encontros com outras escuderias e Bernie Ecclestone e Jean Todt, até se responsabilizar por decisões de importância menor dentro da organização.

Por tudo isso é que penso que a Ferrari deve evoluir já em Barcelona, como disse, sem que possa desafiar as quatro melhores desse início de campeonato, ao menos é pouco provável, mas apostaria que as chances de o modelo de 2013 não nascer com problemas crônicos, como o atual, é bem maior. Dá para ir além: deverá ser um monoposto que recoloque a Ferrari na luta pelo pódio. As dificuldades da organização foram equacionados e as soluções que estão sendo buscadas parecem fazer todo sentido.

Nos vemos na corrida da Fórmula Indy aqui em São Paulo?

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