quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A F1 AINDA PRECISA DE "SEGUNDOS PILOTOS"?*

* Por Edd Straw, do AUTOSPORT.com

O GP da Áustria de 2002 mudou tudo. Quando Rubens Barrichello tirou o pé ao sair da última curva - depois de ter liderado de ponta a ponta -, para dar a vitória a seu companheiro de Ferrari, Michael Schumacher, as ordens de equipe nunca mais seriam as mesmas na F1.

A troca de posições escandalosa da Ferrari, naquela prova em que todos os espectadores esperavam testemunhar uma grande vitória do brasileiro, serviu apenas para dar a Schumacher sua quinta vitória em seis etapas e para provocar a fúria mundial.

Schumacher e todos no time italiano ficaram chocados com os protestos que se seguiram. A situação levou até a FIA a criar uma inviável regra a qual proibia ordens de equipe, extinta no fim de 2010, depois de falhar na primeira ocasião em que foi colocada a uma prova real. No fim das contas, o jogo de equipe é tão velho quanto as colinas onde o automobilismo surgiu. Porém, o desejo de Barrichello em entregar a vitória no último momento possível manchou para sempre o conceito de segundo piloto.

Voltando mais ou menos meio século atrás, as atitudes eram muito diferentes. Jose-Froilan Gonzalez foi o responsável pela primeira vitória da Ferrari em um GP oficial da F1, em Silverstone, 1951, mas o primeiro piloto da equipe, Alberto Ascari, que havia abandonado com problemas de câmbio, teve a chance oferecida pela própria Ferrari de entrar para correr no lugar do argentino. Ele recusou, porém não seria surpresa se ele aceitasse tomar o lugar do companheiro para marcar mais pontos.

Um ano antes, houve suspeitas de que a Alfa Romeo, tentada a voltar às competições com a criação de um campeonato mundial de automobilismo, favoreceu Giuseppe Farina em detrimento de Juan Manuel Fangio na decisão do título, em Monza. Um piloto italiano tornando-se o primeiro campeão em um carro italiano seria um panorama comercialmente sedutor, até porque o veterano Farina começou o ano com o status de favorito.

Depois, foi Peter Collins quem teve de entregar sua Ferrari ao companheiro Fangio na definição do campeonato de 1956, no GP da Itália, mesmo tendo remotas chances de título. A decisão se mostrou perfeitamente racional no fim das contas, já que possibilitou ao argentino bater o competidor número 1 da Maserati, Stirling Moss, algo que Collins provavelmente não conseguiria.

Há dezenas de outros exemplos dessa natureza, desde os períodos pré-guerra até as seis décadas que separam a glória de Farina e os dias atuais. Contudo, nos últimos dez anos, a opção de uma equipe pela política de ter um primeiro e um segundo piloto virou motivo de vergonha.

Sem dúvidas, o fundo do poço veio em Hockenheim 2010, quando a Ferrari ordenou que Felipe Massa deixasse Fernando Alonso passar para privilegiar as chances de título do espanhol, o que, analisando o contexto do que aconteceu dali até o fim da temporada, se mostrou uma decisão perfeitamente compreensível. Mais do que o fato de que Massa teve que abdicar de sua primeira chance real de vitória um ano depois de quase perder a vida na Hungria, o que mais embaraçou a situação foi que o regulamento forçou a dupla da Ferrari a negar o que aconteceu. Isso insultou a inteligência dos fãs e foi severamente prejudicial à imagem do esporte, bem mais do que a ordem de equipe em si.

Mesmo no ano passado, houve diversas teorias conspiratórias que apontavam para um suposto favorecimento da Red Bull a Sebastian Vettel, já que parece ser impossível encontrar uma explicação decente para a disparidade de desempenho entre ele e Mark Webber. É claro que isso também é, em partes, resquício do que aconteceu em 2010, ano em que o australiano teve todas as chances de ser campeão e provavelmente teria sido, não tivesse batido na Coreia.

Portanto, como fica a espinhosa questão das ordens de equipe para 2012? O ponto nevrálgico é que elas podem ser questionáveis, mas estão completamente dentro das regras.

E sobre a questão de elas serem realmente necessárias? Muitas vezes, esse é um ponto que incita debates. Várias escuderias vão autorizar tratamento e equipamento igual a seus dois pilotos, com a definição de um número 1 baseada puramente na performance. Este é particularmente o caso daquelas que são postulantes ao título, dada a relativa disparidade entre seus pilotos. Na Ferrari, Alonso é claramente o piloto que pode entregar uma taça de campeão, não Massa, enquanto Vettel se mostrou o cara para se apostar na última temporada da Red Bull. Na McLaren, os dois representantes são capazes de lutar por um campeonato, fazendo com que o time de Woking seja o único com genuína equidade entre "dois primeiros pilotos".

Essa pode ser uma estratégia arriscada, conforme a Williams descobriu em 1986, quando Nigel Mansell e Nelson Piquet lutaram pelo título com o melhor carro, mas viram Alain Prost ficar com as láureas, à medida em que um tirava pontos preciosos do outro. Mas se você voltar a exemplos do último quarto do século passado, descobrirá que o mais raro é não ocorrer uma "seleção natural" de um primeiro piloto em um time de ponta. Veja o caso da McLaren em 2008 e 2009, quando Heikki Kovalainen foi relegado à condição de coadjuvante, mesmo tendo igualdade de condições. Quando houve ocasiões em que a equipe inglesa não possuía mais de uma versão de suas atualizações aerodinâmicas, era sempre perfeitamente lógico que elas fossem dadas a Lewis Hamilton.

E sobre os casos em que havia uma clara preferência por um piloto? Os exemplos mais evidentes nos últimos anos foram Ferrari e Renault. A equipe italiana tem o histórico mais extremo na era Schumacher, mas é difícil argumentar muito vigorosamente contra essa política, visto que o alemão era, indubitavelmente, o líder durante aqueles anos. Eddie Irvine certamente concordaria e embora Barrichello tenha tido seus bons momentos, ele também não era igual a Schumacher.

Talvez uma situação mais interessante seja a Renault de Flavio Briatore, em 2004. Alonso era ordenadamente o primeiro piloto e, no geral, ele certamente era o competidor mais forte. Mas Jarno Turlli já provou ser capaz de apresentar uma velocidade devastadora se as condições lhe forem favoráveis e o carro de 2004 da equipe francesa casava exatamente com seu estilo. Ele venceu em Mônaco e, depois de sete corridas, tinha 36 pontos contra 25 de Alonso. Logo depois, Trulli rompeu com Briatore e foi demitido do time pouco antes do fim da temporada, consequência de sua performance ter sido tão boa.

"Eu não quero falar muito sobre essa situação, porque quero me manter distante de politicagens", afirmou o italiano. "Eu não sou do tipo de pessoa que gosta falar mal de quem não está mais aqui e não sou do tipo de pessoa que se sente mal tratada", pontuou.

"Tudo o que eu posso dizer é que não tive sorte o suficiente naquela época, ou talvez tivesse que fazer as coisas de um jeito diferente. Sou uma pessoa franca, séria e sempre falo abertamente com quem está nas posições mais altas [na hierarquia de um time]. Isso não funcionou para mim e por isso não tive a chance de ficar", relatou.

Dá para culpar Briatore? Se Trulli sempre foi um piloto capaz de atingir a excelência quando tudo está perfeito, Alonso é excelente, ponto. Caso Trulli tivesse ficado para 2005 e se adaptado bem à nova Renault, o que, dadas as poucas mudanças no conceito do carro, não é uma conclusão precipitada, quem sabe os pontos que um tiraria do outro não deixassem o título nas mãos de Kimi Raikkonen? Enquanto as atenções são muito mais voltadas para os pilotos e não para as escuderias na percepção do esporte, se você é um chefe de equipe, seu trabalho é entregar títulos. Trulli pode ter razão em se sentir mal pelo que aconteceu, mas a atitude da Renault se justificou.

Você pode achar agora que, a partir dessa visão, o que aconteceu em Cingapura 2008, quando Nelsinho Piquet bateu propositalmente para beneficiar Alonso, é aceitável. Isso nada mais é do que levar o argumento a um absurdo extremo e ninguém defenderia que o que aconteceu ali nada mais foi do que lamentável.

No ciclismo, ninguém questiona o conceito de jogo de equipe. Cada um sabe sua função e cruel foi o que aconteceu na Áustria em 2002 para Barrichello, que sabia onde estava entrando quando assinou seu contrato. A forma como a troca de posições foi executada insultou o público, que teria aceito a inversão de forma muito mais pacífica se ela tivesse ocorrido de uma maneira ortodoxa, no decorrer da corrida. Novamente, a honestidade é a chave para isso, mais do que a ofensividade do ato em si.

Por isso, há uma clara justificativa pela liberação de ordens de equipe, mesmo que as pessoas reajam tão selvagemente a elas. Tome por base o GP da Inglaterra de 2011, onde Webber foi alertado a se manter atrás de Vettel nas últimas voltas. Adrian Newey explicou depois da corrida que isso se deu porque a estratégia de Vettel havia sido comprometida no meio da prova para ajudar Webber e que era praticamente loucura deixar seus dois pilotos de disputarem posição no final de uma corrida. Mesmo que Vettel seja o preferido da equipe, você dificilmente pode acusá-la, visto que o alemão já é reconhecido por muitos como um dos grandes da história.

Partindo para 2012, as hierarquias em duas das equipes de ponta são claras: Alonso é o cara da Ferrari e, embora não possamos descartar um renascimento de Webber, parece que Vettel é, com méritos, o primeiro piloto estabelecido da Red Bull. O benefício de uma política previamente delineada fica claro quando olhamos para a McLaren, onde há maior potencial para faíscas, já que tanto Button quanto Hamiton podem estar na lista base dos que lutarão pelo título. Será empolgante para os espectadores, mas pode dar a Martin Whitmarsh algumas dores de cabeça.

Em último caso, os times sempre vão dar maior suporte ao seu melhor piloto. Ken Tyrrell colocou a questão da melhor maneira possível quando disse: "meu primeiro piloto é o meu piloto mais rápido".

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