terça-feira, 13 de dezembro de 2011

POR QUE A FOTA DEVE CONTINUAR*

* Por Dieter Rencken, do AUTOSPORT.com

Que o calendário de 2012 da F1 terá 20 corridas, como foi (re)confirmado em Nova Déli, em 7 de dezembro, durante a última reunião do Conselho Mundial de Automobilismo da FIA, não é novidade. Os comandantes dos direitos comerciais da categoria, liderados por Bernie Ecclestone, já haviam estipulado como ideal um calendário com 20 corridas por ano e planejavam colocar isso em prática neste ano, até que os planos foram interrompidos pela "primavera árabe".

Baseado no comunicado da FIA, o calendário poderia ser estendido a até 21 etapas, já que o informe diz simplesmente: "O calendário de 2012 da F1 foi confirmado de acordo com o que fora anteriormente publicado", sem qualquer outra referência. Visto que a FIA confirmou previamente dois diferentes calendários para 2012, um com 21 provas, em 3 de junho, e outro com 20 rodadas, em 31 de agosto, houve justificável brecha para confusões.

O Pacto de Concórdia - o documento tripartite que rege todas as diretrizes administrativas, comerciais e esportivas -, permite apenas 20 etapas por ano, mas apenas aqueles que estão no topo sabem que 20 corridas estão programadas para 2012 e ninguém mais.

De qualquer forma, o que será uma surpresa para muitos é se o campeonato for realizado conforme o número total de eventos programados, já que vários obstáculos persistem, em particular a perspectiva de paz no Bahrein e o comprometimento da Coreia do Sul com o esporte.

Além disso, Austin precisa completar seu autódromo e, embora isso não se mostre um problema, o mero fato de que a construção foi recentemente paralisada prova que o inesperado se torna esperado quando se trata das aventuras da F1 pelos lados dos Estados Unidos.

De qualquer forma, se dúvidas rondam o Circuito das Américas, pelo menos os organizadores da F1 está trabalhando arduamente nas reservas de ingressos para a rodada dupla EUA/Brasil, ao passo que se mantêm muito mais reticentes ao fazer arranjos para o Bahrein, particularmente depois do fiasco dos ingressos não reembosáveis do último ano.

A relutância em se comprometer com o evento é compreensível, mas, na mesma semana em que a FIA confirmou a realização da prova, o jornal "The Economist" escreveu: "O ódio deve crescer de novo no Bahrein, graças à resposta tépida dada pelo governo local a um relatório de uma comissão independente, que descobriu atitudes repressivas adotadas durante os protestos pró democracia ocorridos este ano. Ninguém tem cedido, mesmo com a conclusão do relatório, que aponta que práticas de tortura têm sido rotina. O rei Hamad trocou o chefe da Agência de Segurança Nacional e o transformou em seu informante pessoal. Enquanto o rei não decretar reais reformas, os protestos parecem longe de um cessar".

O príncipe herdeiro Salman bin Hamad bin Isa Al Khalifa, o filho mais velho do rei e sucessor original, é o homem que conduziu o projeto da corrida e, por isso, é quem mais teme que, mais do que em qualquer outro evento, a prova seja alvo de protestos de grupos pró democracia.

Igualmente perturbador é o fato de que a FIA não somente colocou Sakhir como etapa de seu inaugural Mundial de Endurance - que inclui rodadas em circuitos clássicos, como Le Mans, Sebring, Spa-Francorchamps e Fuji -, mas inesperadamente também adicionou uma etapa barenita para seu Mundial de Kart sub-18. Coincidentemente, o segundo filho do rei, Sheikh Abdullah bin Hamad bin Isa Al Khalifa, é o presidente da CIK, o departamento da FIA responsável pelo kart.

Porém, qualquer confusão sobre a lógica por trás dos calendários de 2012 da FIA se torna insignificante diante das incertezas em torno do WRC e da Associação das Equipes da F1 (Fota). A intervenção administrativa na Convers Sportes Initiatives, companhia detentora dos direitos comerciais do WRC e de propriedade da North One, deve servir de lição para aqueles que defendem as divisões de propriedades comerciais impostas pela FIA sob a administração de Max Mosley.

Após a última reunião do Conselho Mundial, a FIA mencionou a questão, declarando: "A FIA está comprometida em assegurar o futuro comercial do Mundial [de Rali] e fará qualquer esforço para promover sua estabilidade. A FIA está trabalhando em um plano imadiato para garantir que os elementos fundamentais esportivo e de segurança estejam em ordem para o começo da temporada 2012".

O maior problema da FIA é que, após mais de uma década derrubando acordos para vencer os direitos internacionais do automobilismo - sendo o maior acordo firmado entre a FIA e Ecclestone, amigo pessoal de Mosley por mais de 20 anos -, Mosley solicitou a aprovação dos acordos junto à Comissão da União Europeia, que só foi concedida sob a ressalva de que a FIA não se envolvesse em nenhum aspecto comercial do automobilismo enquanto durassem os contratos. No caso da F1, isso representa um total de 113 anos, período em que muita coisa ruim pode acontecer, conforme exemplificado pela extinção, por exemplo, do Lehman Brothers.

Além disso, mesmo que a FIA opte por reclamar os direitos do WRC, que agora repousam nas mãos dos administradores do CSI, não há garantias de que a Comissão da UE dará permissão. Os direitos podem ser perfeitamente vendidos, sem que a FIA possa participar do processo, mesmo que tenha os recursos para isso, embora alegue que não.

A situação da Fota não é menos complexa, mas já é de longa data, até mesmo anterior à crise do Acordo de Restrição de Gastos, que explodiu na Coreia.

Simplificando, as grandes equipes alegam que têm de fazer muitas concessões, enquanto as independentes acreditam que a Fota está a serviço das escuderias principais. Provavelmente, a melhor comparação seria com as Nações Unidas: cada estado associado tem direito a um voto, enquanto alguns conselheiros têm direito a veto, o que permite os países do G8 a imporem seus interesses de acordo com suas cartilhas individuais.

Que Red Bull e Ferrari tenham preferido anunciar o desligamento quase após a última corrida do ano, não é surpresa, pois ambas ameaçavam fazê-lo há tempos.

"O que temos dito sobre o Acordo de Restrição de Gastos é que ou tomamos alguma direção, ou reconhecemos que há um elemento de desconfiança entre os times, o que não é bom. Portanto, aquilo que estamos discutindo [na Coreia] será adiado para Abu Dhabi [onde nenhuma reunião ocorreu de fato] para garantir que uma solução final seja encontrada", o chefe da Ferrari, Stefano Domenicalli, declarou em meados de outubro.
"No topo disso tudo, o que dissemos é que, se essa desconfiança norteia as atividades da Fota, para que ela serve? Sabemos porque a Fota começou e agora precisamos saber se ela ainda é necessária. Quais são os objetivos para o futuro da Fota, se é que há um futuro para ela?", criticou.

Praticamente na mesma semana, o dirigente da Red Bull, Christian Horner, respondeu com questões diretas. "Inevitavelmente, tem havido mais especulações sobre nosso time do que en outros. Inevitavelmente, junto com a performance, vem a paranoia. A Red Bull é a favor do Acordo de Restrição, mas de uma forma que ele seja claro, tangível, policiável e englobe tudo o que é a F1, não somente alguns elementos dela".

O último comentário de Horner se referia especificamente ao fato de que a produção de motores estava excluída das restrições do acordo. Ele acreditava que Ferrari e Mercedes teriam vantagens em cima de equipes clientes, como a própria Red Bull, que compra propulsores da Renault.

No Brasil, Horner foi além, sugerindo que o Acordo de Restrição de Gastos fosse retirado do controle da Fota. "Eu acho que o que não está muito claro é como chegar a um modelo de acordo que seja bom para todos, visto que alguns times são diferentes. Eu acho que a chave para isso é que o tratamento e a transparência disso sejam consistentes e óbvios e extrapolem os limites do chassi e encorporem os motores também. Você não pode segregar, tem que olhar para o pacote como um todo".

"Espero que as discussões de antes do fim do ano levem a alguma solução, mas acho que, inevitavelmente, vamos estar mais sob os holofotes porque, conforme eu disse antes, talvez se não tivéssemos tido tanto sucesso este ano, nada disso seria tão pertinente, mas é assim que o mundo funciona. Mas, do ponto de vista de uma Red Bull, estamos dispostos a achar uma solução e espero que alguma seja encontrada até o fim de 2011".

Obviamente, nenhuma foi encontrada e a ironia é que, apesar de Red Bull e Ferrari terem anunciado a saída quase de forma conjunta, ambas tinham razões diametralmente opostas: uma sentia que a Fota falhou em policiar o acordo, enquanto a outra acredita fervorosamente que a proposta deve ser alterada para eliminar qualquer necessidade de fiscalização. Uma ironia ainda maior é que o Acordo de Restrição de Gastos surgiu justamente para proteger equipes como Red Bull e Ferrari da queda de braço que era a F1 na época de Honda, Toyota e BMW, todas essas já fora da categoria.

Com todo o crédito que o chefe da McLaren, Martin Whitmarsh, tem na função de líder da Fota, ele tentou difundir a entidade ao longo do ano, mas o fato é que a adesão à associação é voluntária, conforme provou a Hispania, quando saiu dela no início de 2010. Agora, duas das principais equipes do grid decidiram se desligar da instituição que elas próprias ajudaram a fundar, em 2008.

Há aqueles que acreditam que os anúncios das duas escuderias - que ganharam a companhia da Sauber, que também tomou decisão similar, aparentemente seguindo a Ferrari - vai beneficiar Ecclestone em sua capacidade de diretor geral da F1 quando as negociações sobre a renovação do Pacto de Concórdia recomeçarem. Isso está previsto para acontecer a partir de 1º de janeiro de 2012, um ano antes da expiração do atual acordo.

O Pacto de Concórdia permite que os detentores direitos comerciais façam ofertas individuais a cada equipe por sua participação na categoria a partir de 2013 já no ano que vem. Portanto, mais uma vez a questão se concentra nas mãos de Ecclestone. E ele sabe o quão desgastante foi a última rodada de negociações, quando foi forçado a reconhecer e legitimidade da Fota, que, por sua vez, conseguiu dobrar a participação das equipes nos lucros comerciais da categoria para 50% do total.

Dessa vez, a expectativa era de que a Fota tentasse alavancar o percentual a 75% ou até 80%. Porém, se Bernie puder fazer acordos individuais com Red Bull, Ferrari e Sauber, ele irá quebrar os propósitos da Fota, já que é uma verdade dizer que quem controla a Ferrari controla a F1. Dito isto, a Fota deve se reinventar como uma organização cooperativa contra os mandatários para garantir melhores acordos aos times independentes.

Aliado a tudo isso, os quatro rebeldes (incluindo a Hispania) devem retornar à entidade, reforçando seus pontos de vista, para que todos entrem em um consenso de que a Fota é a única defesa para que não sejam esmagados, tanto pelos detentores dos direitos comerciais, de um lado, quanto pelos administradores da categoria, do outro. Desde que Mosley saiu, a FIA parece ter adotado uma postura mais amena, mas, ao mesmo tempo, os donos dos direitos comerciais não se tornaram mais aprazíveis.

Independente do que venha a acontecer, as equipes pareciam bem unidas na oposição à realização do GP do Bahrein, há menos de um ano atrás. Quem pode dizer que elas não vão provar isso novamente?

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