quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

RUBENS, POR SEUS COLEGAS*

* Por Luis Fernando Ramos/ Revista Racing


Circuito de Spa-Francorchamps, quinta-feira, 26 de agosto de 2010, 18 horas. O vão central do motorhome da Williams está completamente tomado. Pilotos, chefes de equipe, jornalistas e até mesmo Bernie Ecclestone estão com os olhos grudados nos monitores. Mas as lentes de cinegrafistas e fotógrafos focalizam outro ponto: o rosto de Rubens Barrichello, o homenageado.


As imagens do vídeo que a equipe preparou ao brasileiro vão se desenrolando numa ordem que conta a incrível trajetória de um piloto que chegou à incrível marca de 300 GPs disputados na Fórmula 1. Para se ter uma idéia do tamanho do feito, o brasileiro percorreu 73.495 quilômetros ao longo de 18 temporadas. São duas voltas completas pelo planeta Terra. Com um carro de Fórmula 1!


Os principais personagens que o acompanharam neste percurso estão lá, dando depoimentos contundentes: a família, o preparador de kart Magrão (Jamil Correia), Gary Anderson (Jordan), Jackie Stewart, Ross Brawn, Frank Williams. Quando os filhos aparecem desejando que ele fique muito mais tempo na Fórmula 1, Barrichello se emociona. Depois, usa da brincadeira para combater as lágrimas. “Depois de tantos elogios, porque só colocaram elogios no vídeo e deixaram as críticas de fora, posso correr na Fórmula 1 por mais dez anos. Podemos assinar agora, Frank”, pergunta em tom de brincadeira o piloto.


O chefe da Williams assume o microfone e não economiza nos elogios. “Sobre sua recente disputa com Michael (Schumacher, no GP da Hungria), foi a demonstração mais incrível de determinação e coragem que eu vi pelo menos nos últimos dez anos. E você lidou com a situação de forma brilhante”, ressalta Frank. “Quero te desejar em nome da equipe e todos os seus admiradores no paddock um futuro excelente. E agradecer por tudo o que você fez pela Fórmula 1”, completa o chefe de equipe.


Os outros pilotos saúdam efusivamente o brasileiro. Que recebeu de presente da equipe um pôster-gigante com charges retratando momentos de sua carreira. Além de uma bicicleta elétrica. “Pronta para colocarmos o KERS”, brinca o representante da Cosworth.


Um acontecimento como este, quando todo o paddock da Fórmula 1 faz uma pausa no ritmo massacrante de trabalho de um final de semana de corrida para homenagear um piloto, é muito raro de acontecer. Para o experiente jornalista inglês David Tremayne, do jornal “The Independent”, foi um testemunho da grandeza de Rubens Barrichello. “Quase todo mundo estava lá. Quem não foi é porque ainda estava em reunião. Ou Michael Schumacher. E dava para ver na cara de cada um que eles estavam genuinamente felizes por Rubens”, opina.


A felicidade acontecia também pelo fato do brasileiro ser uma das pessoas mais populares do paddock, com seu jeito aberto e brincalhão. E emotivo também. “Algo que eu sempre gostei de Rubens foi este seu lado muito humano, de trazer sua emoção à flor da pele. Ele chora quando está infeliz ou emocionado, ele sorri quando está feliz. É muito bom conviver com pessoas assim, porque o que você vê é exatamente como elas são de verdade”, diz Tremayne.


Mas “ser gente fina” não é nem de longe o principal segredo da carreira de Barrichello. O próprio piloto atesta isso na conversa que teve com os jornalistas brasileiros em Spa-Francorchamps. “A verdadeira razão técnica e mecânica de um piloto na F-1 é o talento. Ele pode ser o cara mais legal do mundo que não fica. Resumindo: as equipes olham para o que é feito na pista. É um mundo onde todos querem o melhor é o que faz um piloto permanecer na pista por tanto tempo é o talento”.


Barrichello continua sua análise destacando a importância de trabalhar constantemente o lado mental para que atingisse esta marca histórica. “É preciso ter lealdade e sorrir para os problemas. Foi dessa forma que sempre melhorei a cada ano. Não por uma questão física ou técnica, mas mental. É com a cabeça que a gente melhora muito. É lidando com os problemas de forma positiva, vendo que mensagem eles nos trazem ao invés de apenas lamentar e chutar tudo. Isso me fez uma pessoa melhor”.


Quando se fala em problemas na carreira de Barrichello, impossível não remeter aos seus anos na Ferrari. Foi na equipe italiana que o brasileiro conquistou a primeira e a maioria das suas vitórias. Mas foi lá também que viveu os momentos mais tensos e controversos, como o famoso episódio do GP da Áustria de 2002, na qual cedeu a vitória a Michael Schumacher a poucos metros da linha de chegada, a pedido da equipe.


Nos últimos anos, o brasileiro fez algumas críticas públicas à política interna que teve de se submeter na Ferrari. O time vê isso com naturalidade. “Faz parte da vida. Às vezes você discorda de coisas, tem uma opinião diferente. Mas se Rubens olhar para seus anos de Ferrari, ele só pode ter uma visão positiva dela. Às vezes ele podia não estar feliz, mas é impossível ter uma vida perfeita 365 dias por ano”, argumenta o assessor de imprensa do time, Luca Colajanni.


O italiano ressalta ainda a importância de Barrichello no período mais bem-sucedido na longa história ferrarista. “Ele era um elemento-chave do ‘Dream Team’ que tínhamos. Me lembro de temporadas como 2002 ou 2004 em que parecíamos invencíveis. De um ponto de vista pessoal e profissional, sempre foi muito fácil trabalhar com Rubens, que entendia perfeitamente a necessidade do contato com a imprensa e sempre se colocou disponível. Quando uma pessoa deixa a família, não significa que ela se torna uma inimiga. Ela permanece amiga e este é o caso com ele”, acrescenta Colajanni.


O atual comandante da Ferrari, Stefano Domenicali, era uma das pessoas mais próximas do brasileiro na sua passagem pelo time e também foi felicitá-lo pela marca histórica. “É um feito incrível. Estou contente de ter trabalhado e vencido com Rubens por tantos anos. Éramos vizinhos no motorhome, a sala dele era do lado do meu escritório. E dividimos momentos bons e momentos difíceis também. É uma satisfação ver como ele se manteve uma grande pessoa e um grande esportista”, reconhece.


A incrível longevidade de Barrichello gera algumas situações curiosas. “Quando fiz minha primeira corrida de kart, ele já estava na Fórmula 1”, se espanta Lucas di Grassi, da equipe Virgin. “É impressionante a vontade e a capacidade do Rubinho de se adaptar e de evoluir, não só como piloto mas como pessoa também, para conseguir manter o foco na categoria por tanto tempo”.


Outra situação rara está no fato do piloto ter sido o ídolo no esporte de um de seus chefes. O austríaco Toto Wolff conheceu Barrichello quando o brasileiro era um dos nomes de ponta na Fórmula Opel e Wolff andava de Fórmula Ford. “Pedi alguns conselhos para ele e me tornei seu fã. E neste ano nossos caminhos se cruzaram depois que me tornei sócio da Williams. Ele tem uma grande parcela de responsabilidade no fato de termos dado um grande passo à frente neste ano. Seu conhecimento técnico não tem preço”, afirma Wolff.


O engenheiro de corridas de Barrichello, o inglês Tony Ross, segue pelo mesmo caminho. “Rubens chegou num momento em que mudamos o fornecedor de motores, com um regulamente instável e diferenças significativas nos pneus, com os dianteiros ficando mais estreitos. Diante disso, sua experiência com isso é mesmo inestimável. Fizemos muitas mudanças importantes baseado só no que ele nos dizia. É o caso de dizer que, sem Rubens, estaríamos sofrendo muito nessa temporada”.


Quem também ressalta a importância do trabalho feito pelo recordista no desenvolvimento de um equipamento é Mark Gallagher, diretor-geral da Cosworth. “Rubens tinha pilotado um Honda em 2008, um Mercedes em 2009 e um Toyota da Williams num evento promocional no Catar. Então ele tinha a experiência de três motores diferentes em apenas 18 meses antes de começar a trabalhar conosco. Ele nos mostrou o que queria. E ele é duro. Se há um problema, ele nos diz imediatamente, às vezes com palavras firmes, dizendo o que tem de ser mudado. Mas é isso o que você precisa para vencer na F-1. É preciso trabalhar duro e foi isso o que ele fez na sua carreira inteira”, ressalta.


Gallagher vai além e compara Barrichello a Ayrton Senna neste aspecto técnico. “Todo mundo se lembra de como Senna ajudou a Honda a desenvolver um grande motor. Com Rubens acontece o mesmo, por sua vasta experiência. Acredito que ele ainda tem a chance de conseguir um bom pódio até o final do ano. E queremos vencer, assim como a Williams. Não haveria pessoa melhor para alcançar isto do que Rubens”.


Um fato citado por todos os entrevistados pela RACING foi a ultrapassagem que o brasileiro executou em Michael Schumacher na prova da Hungria. Tony Ross conta como viveu a manobra sentado no pitwall. “Não pensei no perigo na hora. Só estava concentrado em que ele passasse Michael e, quando isso aconteceu, achei ótimo. Só depois eu pensei: ‘putz, essa passou perto’. Foi uma reação secundária. Quando vi as fotos depois, ficou claro que realmente tinha pouco espaço ali. Mas na hora eu só pensava: ‘passa ele, passa ele’”.


Olhando em retrospecto, Ross admite que ganhou ainda mais admiração por Barrichello pelo episódio. “A manobra é um tremendo reflexo de como é Rubens. Depois de 300 GPs, ele faz uma manobra agressiva e corajosa como aquela. Não tem muitas pessoas que você pode descrever assim depois de 100 corridas, quanto mais depois de 300. Fiquei impressionado”, admite.


O carinho enorme que recebe em sua nova equipe evoca a questão se Rubens Barrichello finalmente encontrou, na Williams, sua verdadeira casa na Fórmula 1. Para o jornalista Tremayne, é mais uma questão do piloto se dar bem com quase todo mundo com quem já trabalhou. “Ele também teve um bom lar na Jordan por um tempo. Jackie Stewart adorava ele. E todos sabem o que aconteceu na sua vivência na Ferrari de Michael Schumacher. Na Honda/Brawn creio que ele tenha se ambientado bem, mas talvez não tanto no ano passado quando Jenson ganhou tantas corridas”, analisa.


Dentre as inúmeras conquistas da carreira de Rubens Barrichello, falta o título mundial da Fórmula 1. Mas será que esse fato não contribuiu decisivamente para esta impressionante longevidade na categoria? Tremayne: “Possivelmente não ganhar o título o manteve faminto. E acho que se ele tivesse ganho e atingido esse sonho, correr na categoria talvez não fosse mais tão importante. Mas Rubens sempre viu que havia outras conquistas para ganhar, em termos de trabalho, e isto o manteve motivado”.


A pergunta que fica depois desta marca histórica é sobre o alcance do piloto na Fórmula 1. O brasileiro, acertado com a Williams para a próxima temporada, não quer nem pensar no assunto. “Tenho a impressão de que a Silvana, minha esposa, olha pra mim e pensa: ‘Ai meu Deus, ele vai correr ainda por muitos anos’. É uma coisa boa. Tenho mesmo muito gás. É um limite que não gostaria de pensar, como não pensei no 257° grande prêmio, nem no 18°. Sou muito honesto comigo mesmo. Tenho certeza de que no dia em que entrar numa curva sem a mesma velocidade, será muito fácil reconhecer que chegou a hora”. Pelo ritmo que ele tem demonstrado nas pistas, com bons resultados, levantando a Williams e superando um companheiro jovem, talentoso e veloz, esta hora vai mesmo demorar a chegar.

Um comentário:

  1. Vou falar o quê, depois desses depoimentos todos??
    Só ler e concordar com tudo.
    Vaaaaaii Rubinhooo!!!

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