sábado, 25 de julho de 2009

A FALCATRUA ANUNCIADA*

Por André Buriti, do Blog SOS Autódromo do Rio de Janeiro e um dos grandes defensores de Jacarepaguá:

Muita gente deve estar se perguntando de onde saiu essa história de corrida no Rio de Janeiro, e de onde saiu o Helio Castro Neves, que há dois meses era quase um presidiário condenado e agora embaixador da Indy no Brasil. Quem é a APEX?

Para entendermos essa história, vamos viajar no tempo não muito longe, só um ano atrás, em 2008, pouco antes do estouro da crise e da eleição de Obama.

A APEX, que vem a ser uma agência de fomento ao comércio exterior, extensão da Casa Civil, onde Sra Dilma comanda com mão de ferro, resolveu entabular negociações com o governo Bush para exportação de etanol para colocar no mercado norte-americano.

Tudo ia bem, mas esqueceram um detalhe, Bush iria perder aquela eleição e seu sucessor, Barack, não tinha o menor interesse em tirar o pão da boca dos seus fazendeiros para entregar ao Brasil, por mais que fosse necessário. Era melhor aplicar medidas protecionistas a ficar dependendo do estrangeiro para alimentar uma área tão crucial para a economia norte-americana quanto os combustíveis.

Nesse meio tempo a APEX saiu fazendo acordos, e um deles foi o fornecimento de combustível para a IRL, que vem mal das pernas desde que ficou sendo a principal categoria de monopostos dos EUA.
Na verdade a IRL está passando por uma crise existencial-econômica, ou seja, além de ter herdado equipes e pilotos da extinta Champ Car, também herdou alguns contratos de pistas mistas, onde nunca tinha corrido antes, o que gerou divergências entre os dirigentes da categoria, pois o motivo deles terem rompido com a Cart no passado era porque a categoria estava “internacionalizada demais” para o gosto médio do norte-americano, principalmente os rednecks do interior, por onde a categoria vai viajando passando pelos autódromos de pista oval de uma milha, que existem às pencas pelos EUA e que são a base do automobilismo deles.

Com isso chegamos ao impasse que hoje reina na categoria. Com relação aos combustíveis, o contrato assinado com a APEX, em novembro de 2008, previa que a agência estatal intermediaria o fornecimento de combustível da IRL, mas tem um porém, os norte-americanos não sabem, ou não sabiam até agora, mas a estatal não é uma fornecedora de combustíveis, é apenas uma agência de fomento ao comércio exterior, um apêndice da casa civil, isso deve estar dando um rolo em Brasília, pois na verdade quem deveria estar à frente desse processo seria a Petrobrás.

Com essa confusão, entramos em 2009 com a seguinte situação:
A IRL ainda recebe o etanol fabricado pelos norte-americanos, pois o novo presidente, muito sabiamente não aceitou o acordo feito ao apagar das luzes do governo Bush, o que fez sra Dilma e o Presidente da APEX irem aos EUA agora em julho (estão lá nesse momento) tentar negociar esse contrato, porque não se trata apenas de alguns míseros milhares de litros de etanol para alimentar a IRL por um ano, mas o precedente que se abriria contra os produtores de álcool norte americanos, que se sentiriam ameaçados pela concorrência externa, e podem crer meus amigos, nesse quesito de defender a indústria local os caras são carne de pescoço.
Mas aí é que está, onde ficou o acordo da APEX com a IRL?

Não ficou, hoje a APEX compra o metanol dos produtores norte-americanos e revende para a IRL, numa manobra tão esdrúxula que seria engraçado se não fosse trágico, e que mostra o tamanho do despreparo desse bando de negociantes que foi aos EUA sem entender noções básicas de comércio exterior, se atirando em uma negociação com um governo que estava saindo, sem garantias de que seus acordos seriam aceitos pelo novo governo, que mesmo sendo em um país cujo histórico de retidão e cumprimento de regras é por demais conhecido, está à beira da falência, e que vai usar de todos os recursos para salvaguardar seus cidadãos.

Na verdade o que aconteceu é que o governo brasileiro, através da APEX, quis forçar uma barra para vender álcool e derivados no exterior, e sem a intermediação da Petrobrás, e o que é mais grave, até agora os norte-americanos pensam que a agência governamental é responsável pela comercialização de combustíveis, e o governo norte-americano não levantou a barreira fiscal de 54% sobre as importações de biocombustíveis, para preservar os produtores locais, o que obrigou a APEX a comprar combustível lá para revender para a IRL, mas mesmo assim fica anunciando que o combustível é feito aqui, o que é mentira.

O que mais choca nessa história é que milhões foram gastos por esta agência, que não prestou contas e pelo visto age na surdina, não para promover o país, mas para promover produtos de meia dúzia de empresários, incluídos aí os do setor sucro-alcoleiro do interior de São Paulo.

A situação hoje é a seguinte, foram atrás de dinheiro, querem que os usineiros de São Paulo invistam nessa prova, para mostrar para a IRL, e de quebra para o governo norte-americano, um pouco de boa vontade, já que a categoria está descendo pelo ralo, já aventaram até a hipótese de ir correr na China, o que deve estar deixando os tradicionalistas furiosos.

Como a prefeita de Ribeirão Preto disse que não tinha os 40 milhões necessários para a prova – que seriam distribuídos de várias formas, para pagar as despesas de viagem, cachê de 150 mil dólares por equipe, hospedagem, seguros, prêmios e largada e chegada, etc etc e etc, enfim, acharam tudo muito bonito, mas disseram que não dava pra eles, resolveram correr atrás daquele lindo balneário onde pode tudo. Entrou na história o nosso prefeito agogô - ou twiteiro se preferirem, que achou tudo muito bonito e saiu dizendo que “vamos fazer”, só que nesse anúncio ele atropelou um monte de coisas que têm que ser levadas em conta.

Primeiro, o Aterro do Flamengo é patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tombado por lei federal, e fiscalizado pelo IPHAN, qualquer coisa que vá acontecer lá dentro, e que necessite de intervenções sobre os jardins do parque tem que ser aprovada antes pelo órgão, basta lembrar que a Air Race, que levou quase dois milhões de pessoas para a enseada de Botafogo, provocou danos imensos ao parque, pois a grama foi impiedosamente pisoteada, árvores danificadas e jardins foram transformados em mictórios.

Então tentem imaginar uma corrida, com arquibancadas e HC’s montados sobre os gramados, o trânsito de veículos e pessoas, imaginem a multidão que iria até o local "apenas pra ouvir o barulho" porque a maioria dos bons lugares será vendida e caro, dá pra ter uma idéia do dano que isso pode causar ao parque.

Segundo, as associações de moradores dos bairros adjacentes ao parque vão ser contra essa idéia, primeiro porque isso implicará no fechamento de vias importantes do bairro, além de um fluxo de pessoas muito maior que as ruas podem suportar. Se imaginarmos que para fazer a corrida as pistas do Aterro teriam que ser fechadas na quinta-feira pelo menos, como se faria com o trânsito? Isso para não falar do barulho ensurdecedor que os carros fariam ecoando nos prédios da orla, basta ver que se acumulam reclamações contra o Santos Dumont agora que virou rota da maioria dos vôos domésticos que antes iam para o Galeão.

E tem a pior parte: o asfalto e a inclinação das pistas, quem já andou pelo Aterro percebe que a maioria das curvas tem a inclinação errada, sem falar que a ondulação do asfalto provocada pelo peso dos ônibus vai requerer um recapeamento em boa parte do trajeto, em suma, são problemas de proporções imensas, que não vejo competência nem capacidade das pessoas envolvidas em resolvê-los.

Desde janeiro eles vêm negociando secertamente essa prova, está claro que isso é a saída encontrada para promover o sucateamento de Jacarepaguá, a coisa está tão adiantada que conseguiram até mesmo que o presidente da CBA rasgasse a resolução que proibia a realização de corridas em pistas de rua em cidades que tivessem autódromo, tudo em nome do dinheiro fácil, da especulação imobiliária, mas, segundo Cleyton Pinteiro, a realização da corrida daria visibilidade ao automobilismo e facilitaria a recuperação de Jacarepaguá.

Ledo engano, meu caro. Isso só daria mais argumentos para os que querem destruir a pista, pois dirão que o Aterro é “melhor para a realização de grandes eventos” do que Jacarepaguá, com isso eles garantem as provas importantes, mas aniquilariam com o automobilismo regional, a arrancada, os track days e a motovelocidade.

Seja lá o que prometeram para o Clayton é mentira, essas pessoas visam única e exclusivamente a destruição do autódromo, custe o que custar, porque depois do objetivo alcançado todos esquecerão o que foi feito.

A homologação de um traçado no Aterro é um gesto temerário, que não deveria ser referendado por nenhum dirigente responsável. O automobilismo continua sendo um esporte de risco, basta ver que nesse final de semana um piloto morreu em Brands Hatch por conta de uma roda solta, já tivemos históricos de acidentes em várias partes do mundo, e se considerarmos que Jacarepaguá é uma pista muito segura, com suas amplas áreas de escape, inexistentes no traçado do Aterro, chega a ser uma irresponsabilidade homologar essa prova, porque além de perigoso, o forte cheiro de falcatrua que se esconde por trás disso tudo, pelas pessoas envolvidas, pelos valores envolvidos, em suma, merecia uma investigação do MP para saber exatamente o que está acontecendo.

Nunca foi tão simples dar uma solução para este problema, basta reformar o autódromo de Jacarepaguá, por uma fração desse gasto anunciado, basta construir a ponte (ou túnel) para o acesso da Arena não interferir com o traçado do Oval, algo tão simples, mas tão complexo na cabeça dessas pessoas que teimam em querer reinventar a roda.

O momento é agora, o autódromo nunca esteve tão ameaçado, essa corrida da Indy só poderia ser levada a sério se Jacarepaguá estivesse plenamente reformada e em funcionamento, do jeito que está hoje basta uma canetada do prefeito para que tudo seja posto abaixo.

4 comentários:

  1. mas até nisso a dona Dilma tá metida....
    Viva o PT, viva o Lula (que com certeza não sabe disso), viva os otários que somos nós, viva esse paizinho de m*rda, viva, viva!!!

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  2. Ah, e lógico, parabéns ao André, belíssimo texto!
    Não sabia de nada disso.
    Muito esclarecedor.

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  3. depois desse texto, já tô até pensando em torcer contra essa(s) corrida(s) no brasil... é sempre a mesma palhaçada por parte dos poderes públicos!!!

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  4. Meuuu... é incrível como eles tentam fazer o povo de palhaço o tempo inteiro... Fico horrorizada com o que leio a respeito. Claro que como fãs do esporte, apoiamos sempre que alguma etapa aconteça no Brasil - mas esses detalhes da negociação nem sempre ficam claros.
    Excelente texto, parabéns!

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